Covid-19: Mortes diárias vão a 751 mostrando a falta que um presidente faz
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O Brasil atingiu a marca de 751 mortes registradas em 24 horas por covid-19, quebrando o terceiro recorde da semana e mostrando aceleração no ritmo de mortalidade. Ao todo, são 9.897 óbitos - oficiais - e 145.328 infectados. Mesmo diante desses números alarmantes, Jair Bolsonaro se nega a agir como presidente da República. E, com o país sem planejador, mais covas terão que ser abertas.
A provocação de que chamaria 3 mil pessoas para um churrasco é apenas mais uma evidência de que a pilha de cadáveres não o assusta. Já foi para o tudo ou nada.
Como não sabe em que momento da curva de mortes a parte não radical dos 33% que aprovam seu governo começará a pensar "opa, esse cabra me enganou", nem se chegará tal momento, ele segue apostando no discurso de que a covid-19 é uma praga do Egito e mataria de qualquer forma.
Faz isso porque não sabe ou não quer governar. A outra opção seria uma sociopatia em que não se importa em ver gente morrer.
Vamos considerar, hipoteticamente, um planeta (quase) igual ao nosso chamado de Terra B, em um universo paralelo. Nele, o presidente do Brasil, reconhecendo a gravidade da pandemia de coronavírus para a vida e a economia, convocou - já no mês de fevereiro - governadores, prefeitos, líderes do Congresso Nacional, da sociedade civil e do setor empresarial para estruturar um plano de como o país enfrentaria a doença.
Aqui, na nossa versão do Brasil, o presidente da República não fez isso. Primeiro menosprezou, depois ridicularizou, daí minimizou a pandemia. Mais do que isso: ajudou a trazer e a espalhar a moléstia com uma comitiva presidencial infectada pelo coronavírus. Foi à TV dizendo que quem tem porte de atleta não morre de covid-19, apesar de atletas estarem morrendo da doença. Causou aglomerações, provocou carreatas da morte e convenceu milhões que tudo isso é uma grande bobagem.
Na outra versão de Brasil (que, já deu para perceber, é mais racional do que a nossa), o plano do presidente estipulou quais as condições para que cada Estado entrasse em quarentena e, eventualmente, em lockdown, e quais atividades mínimas teriam que continuar para manter as pessoas vivas. E, claro, quais os parâmetros sanitários para a saída do lockdown e da quarentena, com um planejamento de quais atividades voltariam primeiro e quais deveriam esperar e sob que cuidados.
Já o presidente do nosso Brasil tornou-se o inimigo número um da quarentena. Preocupado com sua reeleição em 2022, que será dificultada pela óbvia queda na economia (causada não pelo isolamento, mas pela doença, como bem explicou o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles), ele tem feito tudo ao seu alcance para que as pessoas voltem ao trabalho, chegando a chamar de "covarde" quem respeita medidas de isolamento. Disse que idosos morreriam de qualquer jeito e que é só deixa-los em casa, ignorando que a doença esteja matando pessoas jovens. Criou uma narrativa de que as quarentenas não funcionam devido à quantidade de mortos ser grande, escondendo que os óbitos seriam bem maiores sem elas.
A versão alterativa do presidente do Brasil construiu um plano econômico de emergência, com prioridade para garantir a sobrevivência de trabalhadores informais e formais enquanto eles permanecessem isolados em casa - com valores suficientes para suas necessidades, mas também para não deixar a economia parar por completo. Junto a isso, medidas para salvar as micro e pequenas empresas. E aprovou tudo com a ajuda do Congresso antes das quarentenas serem baixadas, criando uma estrutura de pagamento que evita filas e, portanto, mais contaminação.
Por aqui, a versão bizarra do presidente colocou seu ministro da Economia para defender que a forma de proteger os trabalhadores era aprovar as reformas estruturais durante a pandemia. Depois, propôs um vale-coxinha de R$ 200,00 para manter famílias em casa. O Congresso interveio e forçou o governo a subir o valor. E, diante de sua completa inação e sensibilidade como líder político, governadores e prefeitos tomaram à dianteira e começam a aprovar leis e fechar atividades econômicas. Irritado com isso, tem culpado governadores pela carestia decorrente de sua própria incompetência.
No Brasil do presidente dos sonhos, o mandatário que repudia o terraplanismo e toma decisões considerando a ciência, seguiu o conselho de médicos e pesquisadores e ajudou a preparar o Sistema Único de Saúde, liberando recursos para leitos de UTI, respiradores, equipamentos de proteção individual, mais médicos. E colocou no plano que, quando a situação se tornasse crítica, haveria unificação das filas das redes privada e pública para evitar que pobres morressem aos borbotões.
Por aqui, o ocupante da Presidência demitiu seu ministro da Saúde que discordava de suas posições homicidas e colocou alguém no lugar que parece perdido. Não só isso, como ele próprio pode ter sido um vetor de transmissão da doença, colocando em risco a população que ele abraçava nas ruas. Até hoje, luta na Justiça para não mostrar os testes de coronavírus que fez porque sabe que o resultado pode ser argumento para um impeachment.
A questão é que no Brasil da realidade paralela menos pessoas vão morrer e o fechamento da economia, que foi planejado, articulado e respeitado, será mais curto e, portanto, os danos econômicos serão mitigados. Lá, a presidente - muito provavelmente é ela e não ele, dado o sucesso das governantes de outros países frente aos governantes neste momento - fez com que a população entendesse que é melhor um tempo curto de sofrimento do que um calvário longo interminável.
Por aqui, teremos milhares mortes que poderiam ser evitadas. E se o governo Bolsonaro conseguir ser vitorioso ao empurrar o país para fora da quarentena antes da hora, teremos uma economia que seguirá capenga por muito tempo. Com trabalhadores morrendo na calçada, em frente ao comércio aberto.