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Leonardo Sakamoto

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REPORTAGEM

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Escravizada que desembargador chama de filha está em lista de funcionárias

Imagem mostra nome da trabalhadora em lista de funcionárias em homenagem ao desembargador que diz tratá-la como filha - Reproducão/Instagram
Imagem mostra nome da trabalhadora em lista de funcionárias em homenagem ao desembargador que diz tratá-la como filha Imagem: Reproducão/Instagram

Leonardo Sakamoto e Diego Junqueira

UOL e Repórter Brasil

16/06/2023 04h00

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O desembargador Jorge Luiz de Borba, acusado de submeter a condições análogas às de escravo uma trabalhadora doméstica negra em Florianópolis, tem afirmado que ela é sua filha afetiva, prometendo adotá-la. Contudo, uma postagem no Instagram de sua esposa, Ana Cristina, mostra a mulher que ele diz considerar sua filha relacionada em uma lista de "funcionárias" do casal.

Uma publicação de 8 de agosto de 2020, véspera do Dia dos Pais, traz o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina segurando um cartão com agradecimentos feitos a ele. Assinam: "De suas funcionárias: Soninha, Nadir, Elisangela, Lucimara". Sônia é a trabalhadora resgatada.

Nos comentários da postagem, o próprio Borba afirma que é "muito gratificante quando tuas funcionárias te homenageiam, agradecendo". O acesso à conta foi fechado a não seguidores após o caso vir à tona.

Questionada sobre as postagens, a família Borba afirmou ao UOL, através de sua assessoria, que não comentará a foto. "Em respeito às decisões da Justiça, não haverá manifestação enquanto perdurar o sigilo", disse.

Entenda o caso

O grupo especial de fiscalização móvel, composto por Inspeção do Trabalho, MPT (Ministério Público do Trabalho), MPF (Ministério Público Federal), DPU (Defensoria Pública da União) e Polícia Federal, resgatou a trabalhadora da casa do desembargador na última semana.

Ela teria começado a trabalhar aos 13 anos, permanecendo até ser encontrada pela equipe, aos 49. Sônia tem deficiência auditiva, mas nunca lhe foi ensinada a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e ela se comunica principalmente por gestos. Com isso, ficou dependente dos patrões.

Desde que foi resgatada, a mulher se encontra em uma casa de acolhimento.

De acordo com investigação do grupo móvel, a vítima realizava tarefas domésticas necessárias à rotina da residência, como arrumar camas, passar roupas e lavar louças sem o devido registro em carteira, sem receber salário, sem jornada de trabalho, férias e descansos semanais definidos. Segundo a fiscalização, ela fazia refeições com as demais empregadas.

"A incomunicabilidade da vítima foi o maior desafio no processo de resgate das condições análogas às de escravo e fator que mais causou espanto", afirma o auditor fiscal do trabalho Humberto Camasmie, que coordenou a operação. "Não há que se falar em trabalho livre, trabalho digno e trabalho saudável quando a trabalhadora é incapaz de expressar seus entendimentos, desejos, insatisfações e escolher seu destino."

Trabalhadora não aparece como 'filha' em fotos de família

Após a repercussão do caso, o desembargador, sua esposa e os quatro filhos do casal assinaram uma nota à imprensa anunciando que vão ingressar na Justiça com pedido de filiação afetiva, garantindo direitos de herança.

Também afirmaram que jamais tolerariam trabalho escravo, "ainda mais contra quem sempre trataram como membro da família", e que estão colaborando com as autoridades.

Mas Sônia não aparece entre as pessoas que Ana Cristina Gayotto de Borba postou, em um dia 23 de setembro, para celebrar o Dia dos Filhos. Também não aparece em outra imagem, de 2019, em que comemora a "família toda reunida". Também não está nas fotos das viagens internacionais da família para a Itália e Portugal.

Em outra imagem, de uma celebração, Sônia aparece entre as pessoas que Ana Cristina descreve como "ajudantes de 'ferro', fiéis companheiras".

Para Lys Sobral, coordenadora nacional da área do MPT responsável pelo combate ao trabalho escravo, Sônia chegou criança para a companhia dos empregadores e, sob a justificativa de ser da família, nunca teve carteira de trabalho assinada, nem recebeu salário pelo trabalho doméstico que exerceu durante esse tempo.

Mas também não foi à escola, não recebeu tratamento para sua limitação auditiva, nunca teve plano de saúde, não saía da casa, não pode fazer amigos nem constituir sua própria família, não fazia refeições com a família nem dormia na casa principal."
Lys Sobral, coordenadora nacional do MPT

Seu CPF foi cadastrado em 2021. Não podemos conceber que esse foi um tratamento familiar."
Lys Sobral

Na última terça (13), os deputados estaduais Ivan Naatz (PL), Fabiano da Luz (PT), Antídio Lunelli (MDB) e Maurício Eskudlark (PL) apresentaram um voto de solidariedade ao desembargador na Assembleia Legislativa de Santa Catarina.

"Sou testemunha de que aquela senhora era tratada como filha, como uma irmã, tratada como membro da família e não como empregada", declarou Naatz.