Leonardo Sakamoto

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Opinião

Com passe livre, Nunes abraça pauta da esquerda para enfrentar Boulos

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciou tarifa zero nos ônibus municipais aos domingos, no Natal, Ano Novo e aniversário de São Paulo. Ao abraçar o passe livre, pauta historicamente da esquerda e de movimentos progressistas de mobilidade urbana, ele busca uma marca própria para enfrentar o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) na eleição do ano que vem. Ironicamente, dez anos após as Jornadas de Junho, o passe livre chega aqui pela direita.

Para quem acompanha a política paulistana, a medida adotada não é uma surpresa. Se a implementação correr bem, ele pode não ficar apenas na versão dominical, mas também liberar as catracas à noite antes das eleições.

Isso atinge diretamente os trabalhadores da periferia sem carteira assinada, que não contam com vale-transporte e são obrigados a consumir parte importante do seu orçamento com mobilidade.

E além de beneficiar politicamente o próprio prefeito e socialmente esses grupos mais vulneráveis, a medida também agrada empresas de ônibus, que vão receber mais subsídios diretamente da administração pública.

"De 2013 a 2022, os ônibus de São Paulo perderam 1 bilhão de pessoas transportadas", afirma Daniel Santini, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela FAU-USP e doutorando que pesquisa políticas públicas sobre tarifa zero na mesma instituição. Os dados são baseados em números da SPTrans.

A queda na quantidade de viagens na cidade ocorre pelo uso de plataformas de transporte, como o Uber, mas também pelo preço da passagem, que afasta os usuários.

De acordo com Santini, "o sistema de transporte público não só de São Paulo como do Brasil está colapsando". Por isso, para ele, a medida que a Prefeitura adota pode ajudar a reverter essa tendência.

"Claro que a tarifa zero precisa vir com mecanismos para acompanhar a execução desses subsídios. É hora de rever o sistema. Não é para criar um 'Bolsa Empresário', mas garantir uma prestação de serviços de qualidade e condizente com o valor que é pago", afirma.

São Paulo teve a dívida quitada com a União em troca da cessão do Campo de Marte, uma negociação que começou com o falecido Bruno Covas e teve participação importante do "primeiro-ministro" da capital, Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara.

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Por conta disso, a cidade tem mais de R$ 34 bilhões em caixa para gastar por sua reeleição. É tanto dinheiro que o prefeito não ficaria apenas asfaltando ruas e avenidas.

Ironicamente, essa é a mesma reivindicação que deu as caras no primeiro governo do PT em São Paulo, sob a gestão de Luiza Erundina (1989-1993). E deu início às manifestações de junho de 2013 na capital paulista, quando, na época, o prefeito era o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Dez anos depois, vimos um tsunami de livros com estudos mostrando como aquelas jornadas ajudaram a mudar o cenário político do país.

Naquele momento, uma parte da imprensa, dos formadores de opinião, dos políticos e dos economistas bradavam para os quatro ventos que essa pauta, além de irresponsável, era impossível para São Paulo.

O tempo passou, outras cidades no Brasil e no mundo passaram a adotar a política, e hoje ela é empunhada inclusive por políticos mais à direita. Em novembro do ano passado, o presidente do MDB, deputado federal Baleia Rossi, afirmou à Folha de S.Paulo que o partido pretendia transformar o transporte gratuito de ônibus em sua bandeira.

"Vamos fazer do estudo de São Paulo um 'case' para que a gente possa disponibilizar e transformar em estudos em outras regiões, como uma marca, uma bandeira do MDB", disse.

O mundo não gira, capota.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL