Leonardo Sakamoto

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Opinião

Mudança do clima precisa ser tema de eleição, não devaneios sobre comunismo

Políticos costumam agir somente diante dos estragos causados por desastres, como se tratassem de forma paliativa um paciente desenganado. Dessa forma, mortes por inundações, como as que vemos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, ou nos costumeiros deslizamentos de terra no Rio de Janeiro e em São Paulo, foram se tornando parte do calendário anual do Brasil, como o carnaval ou o reveillón.

Muitos políticos até aproveitam para encarnar a imagem de heróis nas desgraças, ignorando que foram vilões da falta de ação no resto do tempo. Além disso, como a memória das pessoas seca até as eleições, prevenção e adaptação são palavras que somem do vocabulário de gestores quando a água baixa.

Por isso, quem deseja alcançar ou manter o poder deveria ser cobrado a dizer o que planeja para evitar desastres —que, por serem mitigáveis, são naturais apenas na condescendência midiática. Hoje, esse tipo de rubrica é uma das primeiras a perder recursos no orçamento quando é necessário atender a necessidades de aliados.

Mas parte dos candidatos não faz ideia do que dizer sobre mudanças climáticas. Evitam falar de medidas que podem soar impopulares com seus públicos — como a remover famílias de áreas de risco e dizer não ao comportamento predatório de setores da agricultura, do extrativismo vegetal, da indústria petrolífera, do setor imobiliário, que trabalham sob a lógica do "o clima mudou, mas ainda dá tempo".

E, claro, há aqueles que defendem que mudanças climáticas não existem, espécie similar àquela que atesta que a Terra tem o formato de uma pizza.

Retirar a população de um local, com antecedência, e recoloca-la em outro, de forma decente e digna; melhorar uma comunidade para evitar inundações e deslizamentos; efetivar políticas de moradia que construam casas em locais fora de risco; atualizar o levantamento de áreas de risco e o desenvolvimento de protocolos de retirada; adotar sistemas de alertas decentes, emitidos dias antes são ações conhecidas que deveriam ser providenciadas pelos poderes municipal, estadual e federal.

Ao mesmo tempo, governos têm ignorado em seus planejamentos os estudos que mostram que a alteração do clima já afetou, de forma definitiva, nosso regime pluviométrico. Sim, não existe o "choveu mais que a média histórica" porque a média história não serve mais de comparação. E preferido jogar para a população o preço, econômico e social, dessa incompetência ao invés de reduzir de forma eficaz a emissão de gases de feito estufa, combater o desmatamento e nos preparar para o pior, porque o pior já está vindo.

Como, por exemplo, reforçando estruturas, como barragens, pontes e rodovias. Pois, para o novo clima, a impressão é que esse Brasil despreparado é feito de manteiga.

Eventos extremos como esses não apenas vão continuar acontecendo e matando nos próximos anos, como ficarão mais frequentes. Não significa que grandes tempestades não ocorreriam sem o aquecimento global, mas a frequência delas passa de séculos ou décadas para anos. Eventos que afetam a todos, mas tiram a vida principalmente dos mais pobres por viverem de forma mais precária, nos piores locais das encostas de morros ou nas várzeas e fundos de vale.

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Ironicamente, os únicos planos que realmente avançaram nos últimos anos foram os de afrouxamento das leis ambientais pelas mãos de deputados e senadores no Congresso e de emparedamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, chefiado por Marina Silva. Sem contar, é claro, o grande projeto de enfraquecimento de instituições de fiscalização, monitoramento e controle, como o Ibama e o ICMBio, que pode ser visto no debate sobre a exploração de petróleo na marquem equatorial da Amazônia.

Todos os que se debruçam sobre o assunto, de cientistas a organizações da sociedade civil, passando por políticos racionais, técnicos do governo e diplomatas até agropecuaristas, industriais e investidores responsáveis sabem que esse tema já seria difícil com engajamento total de Congresso, Assembleias, câmaras municipais, governos federal, estaduais e distrital e municipais, além do Poder Judiciário e do Ministério Público. Na atual conjuntura, contudo, o prognóstico é sombrio.

Isso precisa ser tema central de toda eleição porque diz respeito à nossa sobrevivência.

Infelizmente, para uma parcela significativa do eleitorado, é irrelevante o fato de que, hoje, centenas de pessoas morrem anualmente, soterradas ou afogadas. Também não faz diferença se, amanhã, elas podem ser milhares — inclusive elas mesmas.

Importante mesmo é os candidatos prometerem lutar contra cavaleiros templários bancados por bilionários de esquerda contra a tentativa de implantação em nossos cérebros de chips 5G chineses através de vacinas a fim de ler nossos pensamentos como forma de ajudar professores comunistas que ensinam os alunos a se tornarem gays e lésbicas. Enfim, o importante é a luta contra fantasmas. A realidade que invade as casas e mata? Dane-se.

Pelo contrário, para muitos, a mudança do clima vai trazer o tão esperado fim do mundo. Desconfio, contudo, que haverá ranger de dente quando a massa de manobra descobrir que só os mais ricos vão herdar a Terra que sobrar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL