Leonardo Sakamoto

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Opinião

Invadir a Venezuela não é solução para conter o golpismo de Maduro

Diante do golpismo de Nicolás Maduro, pipoca nas redes uma defesa lunática de que Estados Unidos, Brasil e outros países intervenham militarmente na Venezuela. A maior parte desses comentários parte, claro, de quem conta com diploma em Relações Internacionais pela Universidade do WhatsApp — mesma que graduou milhões em Epidemiologia durante a pandemia.

Essa é um posição que ganha tração junto a um povo que acha que a vida é uma partida de Counter-Strike, mas há muita gente defendendo o rompimento de relações entre Brasília e Caracas como se isso funcionasse para reverter a posição golpista. A tática já foi tentada pelo governo Jair Bolsonaro, que conseguiu apenas se tornar irrelevante na busca por uma solução para a crise democrática por lá, implodindo a capacidade de interlocução.

Como pontua Brian Winter, editor-chefe da Americas Quaterly, a tática do porrete, que vem sendo adotada pelos Estados Unidos há tempos contra o governo bolivariano, e inclui sanções econômicas, reconhecimento da oposição como vitoriosa e ameaças militares, já mostrou não ser eficaz.

Ele destaca que a própria oposição no nosso vizinho do norte parece estar aberta à estratégia brasileira em reação à garfada eleitoral de Maduro. E ela enfatiza a autodeterminação dos povos e a não intervenção, mantendo o reconhecimento Maduro como interlocutor e buscando abrir canais de diálogo entre oposição e governo.

Uma nota conjunta assinada pelos governos do Brasil, da Colômbia e do México, os três países mais populosos da América Latina, nesta quinta (1), pediu uma saída pacífica e institucional e a divulgação imediata das atas de votação para que possa ser feita a totalização pública. O governo Maduro, que se autodeclarou vencedor, vem negando a fornecer essas informações.

É um jogo mais longo e pode não funcionar. Mas a alternativa a isso é a inútil estratégia do porrete econômico das sanções, a irrelevância diplomática da era Bolsonaro ou um conflito armado no subcontinente com eventual participação do Brasil e de outros países. O que só aumentaria o número de mortos dentro e fora da Venezuela, gerando um caos humanitário ainda maior que os refugiados dos últimos anos e uma catástrofe econômica.

Lembrando que, apesar das dificuldades de orçamento das Forças Armadas venezuelanas, é de esperar que a Rússia não deixe seu aliado desguarnecido em uma escaramuça militar com os EUA. E a China, que reconheceu o resultado, garanta um mínimo suporte econômico e comercial. E a cúpula militar, representada pelo ministro da Defesa Vladimir Padrino López, já empenhou seu apoio a Maduro.

O venezuelano já está surfando nas declarações do secretário de Estado Antony Blinken, que reconheceu a vitória da oposição. Ou seja, o governo Biden deu, gratuitamente a Maduro, um elemento para ele se vitimizar. Imagina com uma ação militar? Nada como uma guerra para garantir a manutenção no poder, como diria Benjamin Netanyahu.

Cortar relações e ameaçar de porrada não funciona com autocratas, ainda mais autocratas que contam com apoio de outras potências e com o suporte das Forças Armadas e de parte da população. O diálogo, por vezes, também. Mas se houver a chance de evitar uma tragédia ainda maior, ele precisa ser abraçado.

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Manter a pressão e buscar o diálogo ainda é a melhor saída, por menos instagramável que seja e por mais que o pessoal da Universidade do WhatsApp, do conforto de seu sofá, defenda que fazer beicinho de desaprovação, xingar no X/Twitter e responder sangue com mais sangue seja a solução.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL