Leonardo Sakamoto

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Opinião

Brasil quer convencer trabalhadores precarizados de que são empreendedores

Sete em cada dez trabalhadores autônomos desejam os direitos e proteções da carteira assinada, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Num país que empurra trabalhadores para atividades precarizadas e que ganham pouco, convencendo-os de que são empreendedores, o dado da FGV-Ibre lembra que esse discurso não cola com todo mundo.

Uma coisa é empreender, criar o próprio negócio e prosperar, com a possibilidade de crescer, contratar empregados e melhorar a própria vida e a de sua comunidade. Com independência de verdade para escolher o horário e a jornada. Isso é fundamental e precisa ser incentivado, pois a criação de empresas leva ao desenvolvimento do país.

Outra coisa são pessoas que, no desespero da sobrevivência, acabam aceitando exercer atividades precarizadas que remuneram pouco e não contam com proteção alguma de seguridade e previdência social. São trabalhadores de empresas com muita tecnologia, muitos lobistas e muitos advogados que espalharam a narrativa de que eles são empresários individuais que atuam por conta própria. Gabam-se de fazer seu próprio horário, mesmo que ele ultrapasse as 14 horas diárias, roubando tempo de si e da família para enriquecer os outros.

Em momentos de eleição, em que há candidatos que confundem o importante empreendedorismo de fato com a precarização, mostrar que há muita gente que trocaria a vida autônoma por um emprego decente com carteira é relevante. Aponta que o empreendedorismo de fato precisa ser incentivado e a outra, combatida. E que disputa pelo sentido do trabalho ainda não acabou, como desejariam alguns que defendem que a Justiça do Trabalho deveria dar lugar à Justiça comum.

A pesquisa da FGV ocorre sete anos após a Reforma Trabalhista ser aprovada, em 2017. O governo Michel Temer, sua base no Congresso Nacional e associações empresariais prometeram que ela removeria os "entraves" para que rios de leite e mel corressem pelas ruas das cidades brasileiras. E que brilhantes unicórnios vomitariam arco-íris perfumados sobre as contas bancárias dos mais pobres.

Claro que era cascata e, hoje, trabalhadores sentem na pele os resultados da precarização de proteções à sua saúde, segurança e dignidade feitas à toque de caixa e sem a devida discussão democrática.

Durante as eleições presidenciais de 2022, a simples menção à necessidade de rever parte dos pontos negativos da reforma gerava apreensão no mercado. Após Lula ressaltar, na campanha, a importância da contrarreforma que vem sendo tocada pelo governo espanhol para reverter a precarização das regras trabalhistas ocorrida por lá, em 2012, muita gente bonita crescida no leite de pera quase infartou em público.

É fascinante que algo gere apreensão no mercado após Bolsonaro (que ele ajudou a eleger) ter aloprado a economia em nome de seu projeto de poder. Ele pedalou com precatório se gastou desenfreadamente para tentar se reeleger e a maioria da Faria Lima só disse amém.

Acompanhei, no Congresso, um rolo-compressor de interesses econômicos atropelar a necessária discussão sobre a atualização na legislação em nome de um projeto que facilitou a precarização da proteção aos trabalhadores em 2017. Tentativas de aprofundar a discussão eram abortadas.

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Propostas para realizar uma Reforma Sindical, que fortalecesse os bons representantes e desidratasse os picaretas antes da Reforma Trabalhista, por exemplo, eram vistas com desdém. Por outro lado, o projeto para enfraquecer as representações de trabalhadores passou com distinção e louvor. A mídia, por outro lado, ajudou a demonizar os sindicatos, nivelando os honestos com os picaretas.

Não havia espaço para o diálogo, apenas a pressa. Tanto que o Senado abriu mão de seu papel de casa revisora, aceitando aprovar o texto que veio da Câmara sem modificações. Engoliu a mentira de que o governo se empenharia para retirar pontos com os quais os senadores não concordavam.

Claro que toda legislação trabalhista precisa de revisão para se adaptar aos novos tempos. A própria CLT passou por várias desde que foi instituída - aquela história de que é o mesmo texto desde Getúlio Vargas é conversa para boi dormir. Mas o que aconteceu no Brasil não foi um diálogo tripartite, entre patrões, empregados e governo, buscando a atualização e a simplificação das regras. Foi a entrega de uma encomenda, pagamento pelo apoio de parte do empresariado à troca de comando na República.

Tanto não foi uma atualização que os legisladores de 2017 se furtaram a aprovar medidas eficazes para garantir proteções à saúde e segurança de entregadores e motoristas por aplicativos, uma das mais vulneráveis categorias. Hoje, políticos dizem que não era possível prever que esse novo proletariado urbano explodiria em número. Mentira. O Congresso e o governo foram alertados, mas ignoraram. Porque o objetivo era outro. Agora, a batalha para garantir isso esbarra no lobby das plataformas.

Ao analisar o DNA da Reforma Trabalhista, vemos que ela nasceu baseada em demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas junto com posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. A esse pacote inicial, somaram-se dezenas de propostas de parlamentares e de seus patrocinadores.

No final, houve algumas boas alterações, outras inócuas e um pacotão de maldades.

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Claro que uma Reforma Trabalhista não impacta a realidade sozinha, depende de uma série de outras variáveis. Mas os envolvidos em sua aprovação martelaram, dia e noite, nos veículos de comunicação, o contrário. E essa promessa de melhoria rápida do cenário do emprego foi usada para enganar a população desesperada por conseguir um serviço.

Mais do que propaganda enganosa, a isso se dá o nome de chantagem. Das mais baixas. Discute-se o estelionato eleitoral de Dilma Rousseff ao colocar em prática, no início de seu segundo governo, políticas econômicas que ela não havia prometido em campanha.

Porém, o estelionato político da Reforma Trabalhista é algo do qual raramente se fala. Esse tipo desequilíbrio na punição dos pecados, que se tornou comum por aqui, vai acabar matando a República.

Para a maioria das pessoas, isso não é um problema. Desde que possam continua fazendo seus pedidos de comida e bebida pelo celular. Com a entrega rápida e sem cobrar muito, claro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL