Crime apertou o botão, mas foi mudança do clima que tornou SP uma bomba
Criminosos foram responsáveis por acender a churrasqueira em São Paulo, mas é necessário lembrar que não foram eles que juntaram o "carvão". O fogo só ganhou proporções bíblicas porque o estado vive uma forte estiagem, que tem relação direta com os eventos extremos trazidos pelas mudanças climáticas.
Autoridades estaduais e federais buscam os responsáveis pelos incêndios que tornaram irrespirável o ar no interior de São Paulo, mandaram milhares para prontos-socorros de hospitais, interromperam aulas, fecharam rodovias e colocaram em risco a vida de muita gente. A quantidade de focos mostra que foi sacanagem, e não obra corriqueira de bitucas de cigarro ou de raios que nos partam.
Mas só chegamos a esse ponto porque o ambiente estava tão seco que qualquer fogueira cria linhas de fogo de centenas de metros. Seria ótimo que o problema se resolvesse prendendo os executores e os mandantes dos incêndios. Mas há outros crimes que vêm sendo cometidos contra o meio ambiente e que, agora, cobram o preço.
E se já é difícil convencer que o clima está mudando por ação humana, imagine então responsabilizar grandes emissores de carbono por isso.
Na América do Sul, na África e na Austrália, o Trópico de Capricórnio corta desertos. Por aqui, graças à umidade que vem da nossa maior floresta, bate na Cordilheira do Andes e desce para o Sudeste e o Sul é que temos vida.
Quando a Amazônia vive uma forte seca, São Paulo se lasca junto. Seja nas mãos de criminosos, seja por acidente, o fogo encontra por aqui um ambiente propício para se alastrar. Se a floresta for para o saco, os paulistas e sua economia pujante vão junto.
As mudanças climáticas em andamento na Terra já são irreversíveis. Nas próximas décadas, teremos milhões de refugiados ambientais por conta da subida no nível dos oceanos e pelos eventos climáticos extremos; fome em grande escala devido à redução e desertificação de áreas de produção e à perda da capacidade pesqueira; aumento na quantidade de pessoas doentes e subnutridas, além de conflitos e guerras em busca de água e de terra para plantar.
Como já disse aqui, o fogo em São Paulo é irmão da chuva que cobriu o Rio Grande do Sul, dos deslizamentos de terra em Petrópolis e São Sebastião, das inundações no Sul da Bahia e prima da elevação do nível dos oceanos com derretimento das geleiras por conta do aquecimento global.
Nesta terça (27), o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, emitiu um alerta por causa da rápida elevação do Pacífico. Relatório da ONU aponta que duas cidades no Brasil serão diretamente afetadas pelo fenômeno: Rio de Janeiro e São João da Barra (RJ).
Não temos tempo de evitar que as mudanças climáticas aconteçam, pois já estão em curso. O que podemos é mitigar o seu impacto e adaptar o mundo para o que virá. Para isso, momentos como este são fundamentais. Desde que não joguemos toda a culpa em criminosos, esquecendo que as mudanças climáticas e o aquecimento global são consequência de nosso estilo de vida e de decisões econômicas.
O esperado investimento para a redução de emissões e a mudança no comportamento dos cidadãos, bem como o desenvolvimento de tecnologias mais baratas para sequestrar carbono da atmosfera, só virão quando houver pânico real diante dos tais eventos.
Prender quem tacou fogo é importante, mas mudar o contexto que anabolizou os incêndios é ainda mais.