Fogo no Brasil também é alimentado por parte do agro que se vende como pop
Como fazer para que pessoas acreditem que o clima mudou? O ar irrespirável das queimadas em Manaus e São Paulo não fez tanto efeito. O fogo que envolveu Brasília chegando às portas do centro do poder parece ter incomodado mais.
O país discute a implementação de sua Autoridade Climática. É importante uma estrutura com recursos e poder para enfrentar os desafios e responsabilidade do tema. Mas, em última instância, a Autoridade Climática do Brasil já responde pelos nomes de Luiz Inácio Lula da Silva, Rodrigo Pacheco, Arthur Lira e Luís Roberto Barroso.
São eles que precisam ser cobrados a agir e não apenas nos momentos em que o Brasil está pegando fogo ou embaixo d'água. A tática de reagir em momentos de crise passou. A crise climática é e será permanente. E não é mais possível jogar para baixo do tapete que uma parte dos donos do dinheiro são sócios do problema.
A bituca de cigarro acesa e os raios que partem do céu não são os grandes culpados pela fumaça que cobriu Manaus, São Paulo e Brasília. Para além dos incêndios que são disparados pela parcela criminosa de produtores, o tempo mais seco (que nos transformou em uma grande fogueira) é resultado de eventos climáticos extremos. Agravados pelo avanço predatório do país sobre seus biomas.
O fogo que queima a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado e a Mata Atlântica é alimentado também pela produção de madeira (exportada ou transformada em matéria-prima para a construção civil nas grandes cidades brasileiras), de carne bovina (que abastece o Brasil e o mundo e avança sobre áreas de floresta), pela produção de energia (a eletricidade das grandes usinas instaladas à base de destruição ambiental na Amazônia flui para o resto do país) e da gasolina (que torna o ar irrespirável e lança toneladas de carbono na atmosfera).
Passar pano para a parte anacrônica do agro
Há décadas, sociedade civil e cientistas alertam sobre a necessidade de ações mitigatórias, o que significa, reduzir emissão de gases causadores de efeito estufa. O Brasil não polui no mesmo patamar da China e dos Estados Unidos, mas contribui para o colapso do clima com queimadas e desmatamento e emissão de gases de veículos. Nos anos de gestão (sic) Jair Bolsonaro, houve um salto na destruição da Amazônia, revertendo a curva de redução. E mais carbono foi lançado na atmosfera. Agora, a natureza dá o troco.
O Brasil precisa mudar seu modelo de desenvolvimento se quiser ajudar o mundo a abaixar a temperatura. Isso significa lembrar que, apesar de pop, parte do agro desmata e queima; que não se muda nada se o Congresso Nacional continuar agindo como guardião de agrotrogloditas; que os governos federal, estaduais e municipais vão precisar gastar em pessoal e em estrutura para colocar as políticas em prática; e que a sociedade vai ter que repensar o nosso modelo de desenvolvimento e o nosso consumo.
É possível crescer economicamente, mas com responsabilidade. Respeitando o zoneamento econômico da região, que diz o que pode e o que não pode se produzido em uma área; realizando uma regularização fundiária geral e confiscando terras roubadas do Estado; executando uma reforma agrária com a garantia de que os recursos emprestados pelos governos às pequenas propriedades - responsáveis por garantir o alimento na mesa dos brasileiros - sejam, pelo menos, da mesma monta que os das grandes; preservando os direitos das populações tradicionais, cujas áreas possuem as mais altas taxas de conservação do país; mantendo o exército longe da política fundiária e indígena, mas protegendo fronteiras. Ah, e sem usar trabalho escravo, que é empregado no desmatamento a torto e direito.
As mudanças climáticas em andamento na Terra são irreversíveis. Além da dificuldade de respirar pela fumaça, nas próximas décadas, teremos milhões de refugiados ambientais por conta da subida no nível dos oceanos e pelos eventos climáticos extremos; fome em grande escala devido à redução e desertificação de áreas de produção e à perda da capacidade pesqueira; aumento na quantidade de pessoas doentes e subnutridas, além de conflitos e guerras em busca de água e de terra para plantar. Muita gente vai morrer no Brasil e no mundo. E os sobreviventes terão que adaptar sua vida para conviver com um ambiente mais hostil.
Até o cavalo caramelo sabe
Qualquer alce que caiu em um buraco na Sibéria após o colapso do permafrost local ou qualquer urso polar deprimido por estar à deriva em uma placa de gelo que se soltou no Ártico ou ainda qualquer tamanduá-bandeira cercado pelas chamas de uma queimada descontrolada na Amazônia ou ainda qualquer cavalo caramelo ilhado no telhado de uma casa em meio a uma cheia no Rio Grande do Sul é capaz de dizer que, infelizmente, já ajustamos o termostato do planeta para a posição "gratinar os idiotas". E que, neste momento, estamos nos esforçando apenas para que o assado fique pronto antes da hora.
Os países desenvolvidos, os mais poluidores, precisam tirar o escorpião do bolso para cortar emissões e pagar para ajudar os demais países a adaptarem sua economia.
Por que há uma pressão muito grande sobre o Brasil apesar de sermos o sexto país que mais emite gases de efeito estufa? Caso fossemos capazes de seguir o caminho que prometemos trilhar e reduzir drasticamente o desmatamento e as queimadas na Amazônia, reduziríamos a aceleração do mundo na estrada da Perdição rumo ao Juízo Final. Ao invés de se aproveitar disso para ganhar dinheiro, afinal estamos prestando um serviço ambiental importantíssimo ao mantermos a floresta de pé, preferimos afagar madeireiros, pecuaristas, garimpeiros e grileiros de terras com falta de punição adequada.
Quando fiscais do Ibama e do ICMBio aplicam multas, são atacados por parlamentares no Congresso e nas Assembleias Legislativas.
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OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberE desfilando nu, apenas cobertos de glitter verde e amarelo, com uma bandeirola escrito "celeiro do mundo", sendo aplaudido por negacionistas climáticos que acham que "ainda dá tempo", vamos passando vergonha. Pensamos que o calorzinho que sentimos é felicidade, quando, na verdade, é concentração de gases de efeito estufa.
Torço para os que afirmam que as mudanças climáticas são um exagero tenham uma vida longa a fim de serem cobrados dos resultado de seus discursos e ações. E que possam senti-los na pele.