Leonardo Sakamoto

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Opinião

Lula cutuca 'falsos patriotas', Faria Lima e Musk em discurso na ONU

Lula abriu a longa fila dos discursos dos chefes de Estado na Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça (24), trazendo o que se esperava do Brasil: uma cobrança para que países ricos ponham mais cascalho a fim de mitigar mudanças climáticas e reduzir a miséria e a fome, um apelo à renovação da desprestigiada Nações Unidas e o repúdio à carnificina em curso por Israel em Gaza. Mas também aproveitou o palco global para cutucar o bolsonarismo, Musk e a Faria Lima.

"No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento. Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários", afirmou o presidente em Nova York.

O CEP desse trecho tem como destinatário a extrema direita brasileira, cavalgada pelo bolsonarismo, que tentou um golpe de Estado entre o fim das eleições de 2022 e a intentona de 8 de janeiro de 2023. "No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas", afirmou.

Na sequência, Lula afirmou que o futuro da América Latina passa por um Estado "sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação" e "que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei".

Mais direto isso só se ele falasse de bilionários que querem ir a Marte ao invés de cuidar da Terra. Mas para tirar qualquer sombra de dúvidas, disse que "a liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras" e que soberania inclui "o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital".

Musk deixou de seguir a lei brasileira e ignorou decisões judiciais que ordenavam a remoção de conteúdos do X/Twitter sob a hipócrita justificativa de proteger a liberdade. A plataforma foi suspensa pelo STF e ele, agora, ensaia cumprir as determinações e voltar com o rabo entre as pernas.

Por fim, Lula deu uma cutucada no mercado: "O Estado que estamos construindo é sensível às necessidades dos mais vulneráveis sem abdicar de fundamentos macroeconômicos sadios", disse, endereçando o recado à Faria Lima, que reclama dele diuturnamente.

"A falsa oposição entre Estado e mercado foi abandonada pelas nações desenvolvidas, que voltaram a praticar políticas industriais ativas e forte regulação da economia doméstica", disse. Ou seja, o Estado vai sim se meter na economia quer o mercado goste ou não.

Para quem acha estranho recados que tratam de questões internas, vale lembrar que, com exceção dos chefes de Estado envolvidos em conflitos e do presidente-anfitrião, os Estados Unidos, os discursos na Assembleia Geral são largamente voltados ao público próprio de cada país. No ano passado, o interesse em Lula era maior porque ele representava o retorno do Brasil à normalidade democrática.

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Neste ano, ele acabou eclipsado pela fala do secretário-geral António Guterres, que estava pistola e falou antes dele. O português disse que o estado do mundo era insustentável e que os desafios que enfrentamos são solucionáveis, mas dependem que os mecanismos para resolver os problemas sejam realmente voltados a resolver problemas.

Reclamou do nível de impunidade que gera invasões e ataques a outros povos sem que nada aconteça. Condenou os ataques terroristas a Israel no ano passado, mas afirmou que Líbano não pode virar uma nova Gaza, em uma crítica ao comportamento genocida do governo Benjamin Netanyahu. Defendeu a criação do Estado palestino.

O chefe da ONU jogou a real: estamos à beira do abismo. Lembrou que o que está acontecendo "não são desastres naturais, mas desastres humanos, alimentado por combustíveis fosseis", que "nenhum país será poupado" e que "poluidores precisam pagar" para a transição da matriz de carbono.

Citou ataques aos direitos reprodutivos das mulheres e a falta de apoio para a erradicação da fome e da pobreza extrema - quando mencionou Lula e a presidência temporária do G20 exercida pelo brasileiro, que tem na pauta um tema central. Isso sem contar as preocupações sobre o avanço da inteligência artificial.

Mas também lamentou que estamos em um purgatório, entre um mundo bipolar e um multipolar, que ainda não chegou, o que gera disputas e problemas para projetos conjuntos. Lembrou que a ONU foi erguida pelos vencedores da Segunda Guerra, sob uma lógica colonial e que a estrutura precisa mudar.

Por fim, disse que, ao longo da História, impérios surgem e caem, mas o problema atual é que a própria civilização está em risco. E conclamou os países a mudarem o destino do mundo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL