Brasil caminha para ser um narcoestado enquanto políticos apelam ao cinismo
Não acredite em quem diz que facções criminosas estão tentando entrar na política brasileira. Elas já estão lá, há tempos, na lavagem de dinheiro através de companhias de ônibus, nos acordos de máfias de perueiros, em licitações fraudulentas que sangram os cofres públicos, em parcerias entre guardas e policiais e o crime, na contenção violenta a movimentos sociais, na grana derramada para eleger ou reeleger parças. Não tá tudo dominado, mas, no ritmo atual, eles chegam lá.
É irônico que muita gente boa se preocupou que o Brasil se tornaria uma teocracia quando é possível que viremos um Estado sequestrado pelo tráfico de drogas ou as milícias antes disso. Mas por que uma coisa ou outra, não é mesmo? Somos criativos, podemos nos tornar um narcoestado que pertence ao Senhor Jesus. Glória!
Não deixa de ser, portanto, desconcertante alguns políticos bradando contra a influência das facções criminosas na política enquanto vemos o que acontece nas bases eleitorais em todo o país. Da direita à esquerda, o jornalismo tem trazido denúncias de relações promíscuas de partidos com o PCC, relatado a dificuldade de fazer campanha em capitais sem fechar acordos com o CV, mostrado a inexplicável amizade de gestores públicos e a Nova Okaida, sem contar a pornochanchada das milícias.
Apesar do financiamento público de campanha, a Justiça não tem sido capaz de evitar o caixa 2. E, com ele, a grana do crime nas eleições.
Há candidatos que batem no peito dizendo que não usam o fundo eleitoral, mas contam com estrutura garantida pela ajuda feita nas sombras, que não aparece nas prestações de contas ao Tribunal Superior Eleitoral. Já é terrível quando esse caixa 2 vem de empresários que vendem roupa, comida e materiais esportivos, mas a situação ganha contornos de terror quando é oriundo de "empresários" que vendem pó, armas e usam trabalho escravo — só para citar os três principais crimes transnacionais segundo a ONU.
No fim de cada primeiro turno, os partidos festejam os números nos parlamentos municipais, estaduais, distrital e federal. E os eleitos com dinheiro sujo são tão bem-vindos quanto aqueles que vêm com dinheiro limpo.
Precisamos rediscutir a política de doação de campanha para facilitar a identificação e punição de quem recebe recursos oriundos de facções criminosas e milícias. Candidatos e patrocinadores precisam responder à lei, mas não só eles. Não dá para um partido sair ileso se algum de seus membros usou o cargo para ajudar facções criminosas a lavar dinheiro do tráfico, por exemplo. As agremiações precisam atuar de forma preventiva, caso contrário, são cúmplices.
Enquanto isso, territórios controlados, que funcionam como currais eleitorais, garantem a eleição dos candidatos das facções — que, depois de empossados, vão ser prepostos dessas organizações, ajudando a matar se for preciso. Sai o coronelismo do detentor do poder econômico ou midiático, entra o do dono da boca, não raro amparado por quem usa o nome de Deus em vão.
Em São Paulo, a cúpula do PRTB, partido de Pablo Marçal, que se orgulhou da relação com o PCC, é só a ponta do iceberg.
O tempo para evitar que nos tornemos um narcoestado está acabando. Se acham que a vida é ruim com políticos que agem como criminosos, imagine com criminosos que agem como políticos.