PRFs da 'câmara de gás' sentiam-se deuses como PM que jogou rapaz da ponte
As punições sofridas por três ex-policiais rodoviários federais por matar um homem negro que vivia com uma doença mental, transformando a viatura em uma câmara de gás durante uma fiscalização de rotina, em Sergipe, deveriam servir de exemplo ao Estado de São Paulo, em meio aos casos de crimes violentos por parte de PMs. Policiais só se sentem deuses que tudo podem quando há governos e Justiça que permitem que pensem dessa forma.
Por coincidência, a Justiça Federal condenou a penas entre 28 e 23 anos de cadeia os três ex-agentes na madrugada deste sábado (7). "Ex" porque já haviam sido expulsos da corporação pelo então ministro da Justiça, Flávio Dino. Nesta semana, um policial militar jogou um homem de uma ponte sem motivo algum e viralizou o vídeo de outro PM, à paisana, executando com 11 tiros nas costas um rapaz negro que roubou sabão na capital paulista.
Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, desarmado, que dirigia uma motocicleta velha, foi trancado em um porta-malas. Então, os policiais rodoviários acionaram uma bomba de gás para lhe fazer companhia, em Umbaúba (SE). Era maio de 2022, e a PRF estava sob responsabilidade do então ministro da Justiça Anderson Torres e do então diretor-geral Silvinei Vasques.
Ambos são acusados de transformar a instituição em uma espécie de guarda pretoriana do bolsonarismo, a ponto de ela ter sido usada na tentativa de impedir eleitores de Lula a comparecerem às urnas no segundo turno de 2022 através de bloqueios de estradas em locais onde o petista tinha obtido boa votação no primeiro turno. E, depois, fazer vistas grossas para os bloqueios de caráter golpista a partir da derrota de Jair Bolsonaro.
O comportamento dos líderes da PRF sob Bolsonaro ajuda a explicar a sensação de tudo-pode por parte dos agentes. A mesma sensação permeia a Polícia Militar de São Paulo após o governador Tarcísio de Freitas e o secretário Guilherme Derrite, ambos do campo bolsonarista, terem colocado a letalidade policial como centro da política de Segurança Pública. Agora que perceberam que estão perdendo a opinião pública com o descontrole da tropa, mudaram o discurso.
Mas espera-se mais do que retórica. O Estado de São Paulo poderia seguir o exemplo dado no caso dos ex-agentes. Não à toa foram punidos apenas depois que Bolsonaro deixou o poder. Se ele tivesse sido reeleito ou o golpe obtido sucesso, talvez os três fossem condecorados ou se transformassem em deputados.
Em agosto do ano passado, Dino anunciou a demissão de William de Barros Noia, Kleber Nascimento Freitas e Paulo Rodolpho Lima Nascimento por violarem as regras da instituição. "Não queremos que policiais morram em confrontos ou ilegalmente matem pessoas", disse na época o hoje ministro do STF. Também determinou a revisão da doutrina e dos manuais de procedimentos da Polícia Rodoviária Federal com o episódio.
Tanto o policial Luan Felipe Alves Pereira, que jogou Marcelo Barbosa do Amaral da ponte, quanto Vinicius de Lima Britto, que matou com 11 tiros das costas Gabriel Renan da Silva Soares, foram presos após forte comoção popular.
Mas para que não seja apenas uma medida para acalmar a população, espera-se mudanças concretas por parte da cúpula da Segurança Pública e do governo de São Paulo. A começar pelo destino desses agentes, que não têm condições de permanecer vestindo farda.
E o sistema de Justiça precisa funcionar. Levantamento publicado pela Ponte Jornalismo e depois pela Folha de S.Paulo mostra que de 1.293 ações policiais que terminaram com morte na capital paulista de 2015 a 2020, apenas 122 chegaram a virar denúncia na Justiça e as condenações foram 20 - 1,5% do total. Impunidade, em resumo.
E, claro, mudar a orientação aos policiais. "Nosso discurso tem peso. E, às vezes, se a gente erra no discurso, a gente dá um direcionamento errado e traz as consequências erradas", afirmou o governador Tarcísio de Freitas nesta sexta (6). Para que isso soe para além da redução de dano de imagem, é necessário que ele critique e puna crimes cometidos por policiais nas operações em bairros pobres.
Até agora, defendeu com unhas e dentes operações como a Escudo e a Verão, que deixaram dezenas de mortos, muitos dos quais civis que não tinham nada a ver com a história.
E, claro, abandone a ideia de adotar câmeras que os policiais podem ligar e desligar e mantenha a política de gravação ininterrupta, com exceção do momento do banheiro e das refeições. Caso contrário, são palavras que, como o gás, vão embora com o vento.