Letícia Casado

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Reportagem

Tática do GSI foi usada para coagir delegados de casos de Bolsonaro, diz PF

O relatório da Polícia Federal que indiciou Jair Bolsonaro (PL) por planejar um golpe de Estado aponta que, sob o comando do general Augusto Heleno, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) arquitetou uma tática de intimidação de investigadores que, posteriormente, foi replicada contra delegados que atuam nos inquéritos ligados ao ex-presidente no STF (Supremo Tribunal Federal).

A iniciativa consistia em pressionar investigadores da PF com o argumento de que poderiam ser presos por cumprir "ordens ilegais", ou seja, que atingissem os aliados de Bolsonaro.

A investigação da trama golpista mostra que o general Heleno elaborou uma estrutura de novo ordenamento jurídico, a ser atualizado com a manutenção de Bolsonaro no poder. As informações sobre o plano foram encontradas pela PF em uma agenda de Augusto Heleno.

As anotações trazem informações como "prisão em flagrante do delegado que se dispuser a cumprir" o que seriam ordens ilegais.

Em setembro de 2024, o UOL revelou que delegados que atuam em casos que atingem Bolsonaro foram intimidados e expostos —assim como seus familiares— em redes sociais, graças a uma campanha promovida por blogueiros e políticos bolsonaristas. Houve até mesmo tentativa de suborno e ameaça de morte a uma delegada. A mensagem dos agressores partia do princípio que os investigadores estavam cumprindo "ordens ilegais" determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Os ataques aos delegados embasaram a decisão do magistrado em agosto em suspender a rede X do Brasil, pois ela havia decidido não retirar do ar os perfis que articularam e replicaram os ataques.

Já a agenda de Heleno mostra que a nova configuração jurídica pós-golpe incluía a AGU (Advocacia-Geral da União) como revisora das ações da PF. "Em conclusão, o documento descreve que o delegado seria preso em flagrante, em caso de cumprimento de ordem judicial, que fosse declarada inconstitucional pela AGU, com força vinculante, após aprovado do presidente da República", informa o relatório da trama golpista.

Caderno com anotações do general Heleno sobre trama golpista
Caderno com anotações do general Heleno sobre trama golpista Imagem: Reprodução/PF

Ameaças a delegados em 2024

Em março de 2024, a delegada Denisse Ribeiro recebeu uma série de emails anônimos nos quais as ameaças contra ela foram escalando.

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Em um deles, o remetente anexou uma foto de Ribeiro e outra do nazista Adolf Eichmann. Em ambas, está escrita a frase: "Estava só cumprindo ordens". Ela foi a responsável originalmente pela condução do inquérito das fake news e milícias digitais, mas deixou o caso. Em outro email, o remetente volta a dizer: "E não adianta dizer depois: 'Eu estava só cumprindo ordens'".

Na mesma investigação, a PF aponta que o senador Marcos do Val replicou esse tipo de mensagem em junho deste ano, após se reunir com o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos nos Estados Unidos.

"Reunimos os nomes de todos os policiais federais que constarem em cada inquérito: investigadores, peritos, agentes e delegados que atuaram de forma ilegal ao cumprir ordens de prisão, busca e apreensão, entre outras ilegalidades já relatadas e já incluídas em nosso dossiê", escreveu o senador em uma rede social.

Em outra postagem, responsabiliza nominalmente Fabio Shor, que atua nas investigações, e chama o delegado de "executor das ordens ilegais de Alexandre de Moraes". Segundo o senador, os delegados estariam sujeitos a condenação por 22 anos de prisão em regime fechado.

O caso é mencionado no relatório do golpe, mas o senador não está na lista de indiciados pela PF. O parlamentar, por sua vez, nega que tenha ameaçado delegados e diz que o compartilhamento de conteúdo que já estava circulando nas redes não constitui crime. "As postagens do senador visam apenas criticar a atuação de alguns funcionários públicos, sem qualquer intenção de intimidação", afirmou a defesa do senador, em nota, quando o caso foi revelado.

Retirar a autonomia da PF

Segundo a investigação da PF, na nova configuração desenhada por Heleno, para a manutenção de Bolsonaro no poder, a AGU seria revisora das ações da PF antes que a instituição desse cumprimento a uma decisão do Judiciário.

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"Os elementos de prova não deixam dúvidas de que a organização criminosa estava elaborando estudos para de alguma forma tentar coagir integrantes do sistema de persecução penal para que as investigações contra seus integrantes fossem cessadas, ainda que pela aprovação de verdadeiras aberrações jurídicas, como um parecer administrativo declarar uma ordem judicial inconstitucional, colocando a AGU como órgão revisor de decisões jurisdicionais, fato não abarcado pela Constituição Federal de 1988", diz o relatório.

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Imagem: Reprodução/PF

Um plano para tirar a autonomia de delegados da PF também foi cogitado por Alexandre Ramagem, diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) na gestão Bolsonaro. O relatório mostra a defesa de uma proposta para que todos inquéritos que tramitassem no STF fossem de responsabilidade do diretor-geral da PF.

"A mesma linha de atuação identificada nas anotações de Alexandre Ramagem para coagir a Polícia Federal a não cumprir ordens emanadas pelo Poder Judiciário, sob pena de crime de abuso de autoridade e até prisão em flagrante da autoridade policial, também foi identificada no material apreendido em poder de Augusto Heleno", informa o inquérito.

Para a PF, o general Heleno, assim como Ramagem, participaram de esquema para desacreditar as urnas eletrônicas e esvaziar o poder dos investigadores.

"Da mesma forma, verificou-se que as ações com a finalidade de atacar o sistema eleitoral brasileiro e o planejamento de possíveis instrumentos jurídicos para coagir as autoridades policiais que cumprissem ordens judiciais que pudessem atingir a organização criminosa, estava sendo implementada de forma coordenada com o então ministro do GSI, General Augusto Heleno."

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Heleno e Ramagem, além de Bolsonaro e outras 34 pessoas, foram indiciados pela PF pelo planejamento do golpe de Estado.

A defesa do general Heleno, através do advogado Matheus Milanez, informou que não iria se manifestar. Os demais também não comentaram.

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