PF: Marcos do Val obstruiu inquérito e corrompeu menor para atacar delegado
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) teria utilizado sua imunidade parlamentar para incentivar uma adolescente a participar de uma campanha de intimidação e ameaças contra delegados federais envolvidos em investigações relacionadas ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. Investigação da PF indica que ele atuou de maneira ostensiva para facilitar os ataques. Ele nega as acusações (leia mais ao final do texto).
Entre os indícios de crimes apontados pela Polícia Federal, estão obstrução de investigação de organização criminosa e corrupção de menor.
Do Val é investigado no inquérito que embasou a decisão de Moraes de suspender o X no Brasil. O ministro determinou o bloqueio dos perfis dele e de outras seis pessoas, mas a plataforma não cumpriu a ordem. Segundo a investigação, o grupo difundia dados privados e estimulava ataques contra delegados federais, em ação orquestrada pelo blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, foragido nos Estados Unidos.
"O senador Marcos Ribeiro do Val se vale de sua imunidade parlamentar para praticar as condutas de intimidação/embaraço contra os servidores da Polícia Federal que atuam perante o STF, bem como para induzir e fomentar a prática de fato penalmente relevante por adolescente, a qual também se submete à proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente", afirma a PF na representação na qual pedia a prisão preventiva do parlamentar. A PGR (Procuradoria-Geral da República) foi contra a prisão.
Na semana passada, o UOL revelou detalhes do esquema. A estratégia contou com o acesso irregular em massa a dados pessoais dos envolvidos. A exposição dos agentes teve ameaças veladas na porta de casa, coação virtual e vazamento de fotos —incluindo de crianças—, entre outros.
Nesta semana, o X voltou a burlar as decisões do Judiciário brasileiro, repetindo um comportamento de desobediência que ocorre desde abril. A plataforma alterou um código para entrar no Brasil por meio de um sistema. Moraes aplicou nova multa à empresa e o acesso foi desligado.
Crime em parceria com menor
Do Val foi um personagem importante na intimidação promovida contra o delegado Fabio Shor, aponta o relatório da PF. O agente teve dados pessoais e até uma foto do seu filho pequeno expostos na internet e chegou a encontrar um macaco de pelúcia pendurado em seu carro, o que demonstrava acesso e conhecimento do local onde ele mora. O senador fez uma planilha compilando as operações de que o delegado participou cumprindo ordens de Moraes.
A ofensiva por parte de Do Val se deu, principalmente, a partir de informações divulgadas em redes sociais por uma garota de 16 anos, filha de outro blogueiro bolsonarista foragido —Oswaldo Eustáquio, que está na Europa. O senador repostava as mensagens, ampliando o alcance dos ataques contra o delegado.
Ele repostou um vídeo com uma criança de seis anos que disse ter ficado assustada com uma operação de busca e apreensão em casa. No texto que acompanha o vídeo, conclama seus seguidores a ver "o que esse delegado fez com essas crianças" enquanto os pais não estavam em casa. Segundo a PF, o menino também é filho de Eustáquio.
Ao agir em conjunto com uma garota em uma ação criminosa, Do Val incorre na tipificação penal de corrupção de menor, aponta a Polícia Federal no relatório.
"A conduta do senador Marcos Ribeiro do Val reveste-se de acentuada gravidade, pois, além de, pela sua conduta incidir, em tese, no crime de obstrução de investigação de orcrim [organização criminosa], por meio da intimidação/exposição dos policiais federais, ele passou a atuar em conjunto com adolescente, com ela praticando e fomentando a prática da mesma conduta", informa a PF.
"Acrescenta-se, ainda, que mesmo com a imposição da medida cautelar diversa da prisão, o parlamentar está ostensivamente se valendo da proteção constitucional ao exercício do mandato para praticar condutas que amoldam a tipos penais graves, como a obstrução de investigação de orcrim e a corrupção de menor de idade."
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Quero receberO crime de corrupção de menores está tipificado no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente: corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la. O artigo é citado pelos investigadores no relatório.
Parlamentar ameaçou agentes
As ações de Do Val no esquema escalaram a partir de 7 de junho deste ano, segundo a PF. Naquele dia, postou mensagem em rede social dizendo que encontrou Allan dos Santos nos Estados Unidos e que possuía a lista dos policiais federais que atuaram nos casos de Moraes; e que eles teriam cumprido ordens ilegais e estariam sujeitos a condenação por 22 anos de prisão em regime fechado.
Esta postagem contém várias ameaças aos agentes da PF e mostra Do Val se colocando como integrante de fato do grupo: "Reunimos os nomes de todos os policiais federais que constarem em cada inquérito: investigadores, peritos, agentes e delegados que atuaram de forma ilegal ao cumprir ordens de prisão, busca e apreensão, entre outras ilegalidades já relatadas e já incluídas em nosso dossiê", escreveu o senador.
Ele diz que "muito ainda está por vir em desfavor daqueles que violaram os direitos humanos seja cumprindo uma ordem do superior ou não".
"A riqueza de detalhes que possuímos sobre cada membro da Polícia Federal que contribuiu com ações ilegais é impressionante. Sabemos em quais processos eles trabalharam, quais decisões anticonstitucionais tomaram e quais ações infringiram os direitos humanos. Temos uma relação extensa desses policiais e todos responderão pelos seus atos, pois já há provas suficientes do cometimento de crimes contra os direitos humanos em todos os inquéritos. Não há mais espaço para a desculpas como: 'Apenas estou cumprindo ordens'", escreveu o senador.
Em julho, a Polícia Federal encaminhou ao Supremo o relatório final do inquérito que investiga desvio de dinheiro das joias recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em seu governo.
Associação ao nazismo foi usada para ameaçar outra delegada
A associação ao nazismo feita pelo senador contra o delegado Schor é semelhante à linguagem utilizada em emails anônimos enviados à delegada Denisse Ribeiro, que também atuou em inquéritos de Moraes.
Ela foi comparada ao nazista Adolf Eichmann, condenado e executado. Foi também apelidada de Gestapo e recebeu imagens de símbolos usados por Adolf Hitler.
Senador aderiu à campanha de intimidação após ter redes liberadas
Segundo a PF, o grupo segue o mesmo estratagema identificado nas investigações sobre as milícias digitais, com a diferença que o enfoque agora seriam os policiais federais. O conteúdo era divulgado de maneira intensa no WhatsApp, segundo a investigação.
"O grupo utiliza a mesma tática e metodologia das milícias digitais já conhecidas no âmbito das investigações de ORCRIM [organização criminosa] em curso no STF. Contudo, neste caso sua utilização não visa a disseminação de notícias falsas e desinformação, mas a exposição/intimidação de policiais federais que atuam nos casos do STF, como forma de causar embaraço e minar o Sistema de Justiça Criminal como um todo, pois, caso os policiais federais se sintam pessoalmente intimidados a não cumprir sua atribuições legais, em última instância o próprio exercício dos poderes constituídos resta prejudicado", informa a representação da PF enviada ao STF.
No caso de Marcos do Val, as investigações mostram que ele aderiu à campanha de informação menos de um mês depois de ter suas contas nas redes sociais liberadas por Moraes após 11 meses de bloqueio.
Do Val nega ataques e diz estar protegido por imunidade parlamentar
Investigado em outro inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado, Marcos do Val já havia tido suas contas bloqueadas no passado. Em 10 de maio deste ano, Moraes liberou suas redes, com a condição de que ele não publicasse, promovesse ou replicasse ataques ou notícias fraudulentas, sob pena de multa diária de R$ 20 mil.
Foi por ter descumprido essas medidas, a partir de postagens feitas em 7 de junho, que ele teve seus bens e contas bancárias bloqueados em agosto.
Após recorrer dessa punição, o senador foi autorizado por Moraes no começo de setembro a receber até 30% do seu salário.
O parlamentar sempre se disse vítima de censura e tem afirmado que seu discurso é inviolável por ser parlamentar.
No início do mês, Do Val se refugiou no Senado, onde está ficando acampado. Ele alega que é o único lugar onde está protegido, pois, segundo ele, recebe ameaças de morte.
Em pronunciamento no Senado nesta terça (17), Do Val disse ser alvo de "falsas acusações" feitas pelo diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e negou ter divulgado fotos e informações da vida pessoal de um delegado da PF, além de pedir retratação formal.
"Essas acusações são absolutamente infundadas. Eu nunca cometi tal ato e, em resposta, enviei um ofício formal exigindo uma retratação. Eu, por já estar trabalhando na área há 30 anos, sei que seria uma irresponsabilidade enorme expor a família de um policial, que dirá de um delegado da Polícia Federal. Então, eu fico esperando para que o diretor-geral possa provar que nas minhas redes sociais tem fotos do filho do [delegado Fábio] Shor e da esposa dele", disse Do Val, segundo notícia publicada pela Agência Senado.
O UOL procurou a defesa do senador, que enviou nota na qual classificou as acusações da PF como "ilações", negou que o parlamentar tenha ameaçado policiais federais e disse que as postagens buscaram apenas "criticar a atuação de alguns funcionários públicos":
A defesa do senador Marcos Do Val repudia as ilações infundadas contidas no novo inquérito. Em momento algum o senador ameaçou delegados da Polícia Federal, e a publicação de um vídeo que já circulava nas redes sociais não constitui crime. As postagens do senador visam apenas criticar a atuação de alguns funcionários públicos, sem qualquer intenção de intimidação.
O próprio STF já firmou entendimento de que funcionários públicos estão suscetíveis a reclamações, censuras ou críticas, ainda que veementes, sem que isso configure crime. Se agentes policiais se sentiram ofendidos, que busquem os meios legais apropriados.
Por fim, o senador reafirma sua inocência e seu compromisso com o fiel cumprimento de suas obrigações constitucionais.
Nota do advogado Iggor Dantas, que defende o senador Marcos do Val
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