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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Diante da carestia, não há Auxílio Brasil que consiga ajudar Jair Bolsonaro

Carrinho de supermercado, inflação, compras, mercado - Getty Images/iStockphoto
Carrinho de supermercado, inflação, compras, mercado Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

14/06/2022 04h00

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"É a economia, estúpido!", diz a famosa frase do mundo político atribuída a James Carville, marketeiro de Bill Clinton. Reza a lenda política que ele fez um quadro com os dizeres e pendurou no comitê de campanha para que não se esquecessem. O candidato venceu. A teoria foi depois detalhada em um livro escrito com Stan Greenberg, "It's the Middle Class, Stupid!".

Na última pesquisa BTG/FSB não há grandes novidades sobre as intenções de voto no momento, mas há um retrato econômico das famílias brasileiras que é um soco no estômago. Ele foi colocado no contexto eleitoral e mostra um cenário que justifica o aparente desespero do presidente da República em suas últimas declarações sobre economia.

Foi feita uma listagem de produtos e a pesquisa perguntou se as pessoas haviam deixado de consumir algo por causa da inflação. A resposta é que 77% das pessoas, quase 8 em cada 10, já fizeram cortes cotidianos por conta da alta dos preços. Mais preocupante ainda é o tipo de corte que as famílias fazem.

Mais da metade da população já cortou refeições fora de casa, roupas e carne vermelha. É possível que se faça um esforço político para classificar esse sacrifício como algo do gênero "classe média sofre". É um erro. Haverá um efeito cascata pela falta de demanda e, embora não sejam o essencial do essencial, são itens que fazem diferença na qualidade de vida e na expectativa de futuro.

Outros cortes são ainda mais dramáticos. Segundo a pesquisa, 44% deixaram de comprar combustível; 35% cortaram frutas, legumes e verduras; 31% cortaram produtos de limpeza; 29% cortaram remédios; 22% deixaram de consumir produtos de higiene pessoal; 21% —uma em cada 5 pessoas— cortaram frango da dieta; 13% já chegaram ao ponto de cortar arroz e feijão.

Atrasar contas de consumo também virou uma realidade presente em mais de metade dos lares. Hoje, 34% estão com a conta de luz atrasada, 33% atrasaram a fatura do cartão, 30% atrasaram o pagamento de telefonia e 29% atrasaram a conta de água. O cotidiano das pessoas está sendo virado do avesso e isso tem reflexo no voto.

A avaliação do governo Bolsonaro está ligada de maneira umbilical à necessidade de cortes no consumo cotidiano. Entre os que não tiveram de cortar nada, uma minoria, o governo é ruim ou péssimo para 15% e ótimo e bom para 71%. Entre os que tiveram de fazer mais de 6 tipos de cortes de consumo, 71% consideram o governo ruim ou péssimo e somente 10% consideram ótimo ou bom. É a economia, estúpido!

Também é importante para o voto a perspectiva de futuro. Entre os que creem que a inflação vai subir, hoje Lula venceria no primeiro turno, com 53% dos votos. Entre os que creem que vai se estabilizar ou diminuir, Bolsonaro venceria hoje no primeiro turno, com 52% dos votos. Ciro Gomes tem 10% tanto entre quem acha que vai piorar, quanto entre quem acha que vai ficar igual, mas cai para 5% entre os que acham que a inflação vai diminuir.

Entre a minoria que não teve de cortar nada, 50% votam em Bolsonaro e 26% votam em Lula. Entre quem fez de 1 a 5 cortes, Lula tem 55% contra 19% de Bolsonaro. Entre os que fizeram mais de 6 cortes, 72% votam em Lula e Bolsonaro tem só 10%, o único cenário em que aparece com um percentual menor que a soma dos demais adversários.

Chegamos agora ao Auxílio Brasil, uma lenda urbana da análise política. Para alguns, seria um trunfo do presidente Jair Bolsonaro, mas a pesquisa BTG/FSB mostra que poder comprar é mais importante que receber auxílio do governo. A realidade é que 84% da população não tem ninguém em casa que receba. Entre esses, 41% votam Lula e 34% votam Bolsonaro.

O curioso é que, quanto mais próximo o eleitor está do Auxílio Brasil, menos ele vota em Jair Bolsonaro. Quando a pessoa não recebe, mas alguém da casa dela recebe, a intenção de voto é 53% Lula contra 25% de Bolsonaro. Entre os que recebem Auxílio Brasil, são 64% Lula contra 21% de Bolsonaro.

Talvez seja este cenário que converteu o presidente e até o liberalíssimo Paulo Guedes em novos "fiscais do Sarney", pedindo aos supermercados que segurem a alta de preços. Não vai ter Auxílio Brasil suficiente para ajudar Jair Bolsonaro se o poder de compra do cotidiano seguir baleado dia após dia.