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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O golpe, a religiosidade, o silêncio das instituições e Michelle

Colunista do UOL

26/07/2022 04h00

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Resolvi interromper a trezena de Santo Antônio que estava fazendo em favor do Procurador-Geral da República. Estava preocupadíssima com Augusto Aras, que vivia um sumiço absolutamente anormal.

Não emitia um único suspiro desde que o presidente Bolsonaro resolveu chamar embaixadores estrangeiros para dizer que desconfia do processo eleitoral.

É algo que tem cheiro, cor e gosto de golpismo mas, a julgar pela reação do PGR e do Legislativo, deve ser absolutamente normal.

Pois bem, hoje Augusto Aras pediu para inocentar Jair Bolsonaro de todas as acusações feitas pela CPI da Covid. Fiquei aliviada. Como disse em outra coluna, o silêncio eloquente me levou a acreditar que ele e Arthur Lira tivessem sido sequestrados.

O presidente da Câmara apareceu usando uma camiseta com o nome e o número de candidato de Jair Bolsonaro no palanque do lançamento oficial da candidatura. Eloquente também.

Tudo indica que o presidente irá alegar que houve fraude nas eleições se perder. Infelizmente, parece que a reação das demais instituições será uma saraivada de notas de repúdio, tweets e vídeos em redes sociais.

Nosso destino como nação e como sociedade está no meio desse sanduíche macabro.

Os únicos que têm esboçado reação, integrantes do Poder Judiciário, foram devidamente colocados no lugar de inimigos, representantes do mal, principados e potestades.

Uma reação deles seria, nesse raciocínio, apenas mais uma evidência do levante do mal contra o bem, representado pela candidatura presidencial. Foi essa a retórica do lançamento oficial da campanha.

Custa compreender como Jair Bolsonaro, que nem evangélico é, conquistou esse público com um discurso violento e armamentista, vindo talvez do Evangelho Segundo Quentin Tarantino.

Um dos vídeos mais engraçados do anedotário político nacional explica e mostra a distância religiosa entre quem faz e quem analisa a política.

Silas Malafaia está em pé, com a mão sobre a fronte de Jair Bolsonaro de joelhos no altar. O culto está lotado. Ele declama o primeiro capítulo da carta de Paulo aos Coríntios.

"Mas Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios, e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes. Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que nada são, para reduzir a nada as que são, para que ninguém se vanglorie diante dele", diz o pastor sobre o então candidato.

Ninguém ri. É espantoso. Eu, que sou religiosa, não consegui segurar. Esse tipo de discurso tem uma força política que os não religiosos tendem a subestimar.

Não é à toa que a campanha de Jair Bolsonaro celebrou a performance de Michelle. Impecável no figurino, presença de palco e retórica cristã, tratou de humanizar o marido. É um trunfo que ele não tinha na última eleição.

Michelle evoca o poderoso discurso cristão de que todas as autoridades, mesmo as que parecem insanas, são erguidas por Deus. O cristão deve respeitar e orar por suas autoridades.

Mesmo aquilo que não entendemos teria um propósito divino. A primeira-dama diz aceitar essa vontade, seja de vida ou de morte. Coloca o marido como um Davi lutando contra Golias.

Davi é um dos reis mais celebrados da Bíblia. Teve, no entanto, uma coleção inegável de falhas humanas. Entre elas, mandar um aliado deliberadamente para ser morto na guerra porque queria ficar com a mulher dele.

Sozinha, essa retórica não pode muita coisa. Mas ela se soma aos auxílios, orçamento secreto e a instituições prostradas diante das incessantes apostas de Jair Bolsonaro no caos.

Até agora, não houve institucionalidade que tivesse sucesso em impor limites. Toda a confiança está depositada em um sonoro recado das urnas. Nem sabemos se ele virá. Caso venha, a dúvida é quem garante que será levado em conta.