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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Lula endossou o regime de Maduro na Venezuela?

Colunista do UOL

29/05/2023 17h07

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"Seja bem-vindo ao meu país. Agora fale com a imprensa livre do nosso país e do seu país também", disse nosso presidente Lula ao ditador venezuelano Nicolás Maduro. Eu sinceramente espero que tenha sido apenas uma piada ruim. Pior seria se fosse profecia.

Receber Maduro em Brasília reacendeu os grupos bolsonaristas de Whatsapp. Seria o sinal de que Lula realmente pretende transformar o Brasil numa Venezuela. Defendem que o ditador jamais deveria pisar no nosso país, como determinou Jair Bolsonaro.

Todo país tem relações diplomáticas com países que têm regimes políticos diferentes dos seus. Com a Venezuela temos uma fronteira de mais de 2 mil quilômetros. É impossível cortar relações diplomáticas sem esperar problemas no médio e longo prazos. Foi possível manobrar ideologicamente por um tempo, mas é preciso ter diálogo.

Além disso, o Brasil sempre possui comércio importante com a Venezuela e também trocas culturais. Isso ocorria antes que o país fosse transformado numa ditadura e não deixa de ocorrer porque foi. O processo político é importante mas não muda a essência da troca cultural humana.

Reatar esses laços é uma coisa, endossar ditadura, como fez nosso presidente da República hoje, é algo muito diferente. Fazer pouco dos crimes contra a humanidade e violações sucessivas de direitos humanos na Venezuela é algo preocupante.

"Nossas investigações e análises mostram que o Estado venezuelano conta com os serviços de inteligência e seus agentes para reprimir a dissidência no país. Ao fazer isso, graves crimes e violações dos direitos humanos estão sendo cometidos, incluindo atos de tortura e violência sexual. Essas práticas devem parar imediatamente, e os responsáveis devem ser investigados e processados de acordo com a lei.", declarou no final do ano passado Marta Valiñas, chefe de uma missão especial da ONU para averiguar crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura venezuelana. Mais detalhes sobre o informe estão nessa reportagem do UOL, feita na data da divulgação.

Lula foi eleito com uma frente ampla e uma manifestação de apoio de importantes grupos da sociedade nunca antes vista. Isso só aconteceu porque ele seria a garantia de um regime democrático, ameaçado por Jair Bolsonaro. Em menos de seis meses de governo, ele diz que a ditadura da Venezuela é só uma "narrativa".

"Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, da antidemocracia, do autoritarismo, sabe? Então eu acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudar de opinião. Eu vou em lugar em que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabe que a Venezuela tem problema da democracia, que o governo não sei das quantas. Então é preciso que você construa a sua narrativa.", disse o presidente Lula.

A Venezuela efetivamente é uma ditadura e tem problemas com a democracia, são fatos. O nosso presidente literalmente disse que narrativas podem ser usadas para dissuadir as pessoas de fatos reais, objetivos e documentados. Não é bom presságio para a nossa democracia.

O que Lula ganha com isso? Aprofunda a polarização, já que vai reacender o clima da bancada do "vai transformar o Brasil em Venezuela". Por outro lado, está criando entre os luloafetivos grupos que já defendem abertamente ditaduras dizendo ser em nome da democracia. Isso amplia o esgarçamento do tecido social brasileiro, o que favorece a polarização com o bolsonarismo, benéfica eleitoralmente para o PT no médio prazo.

Na política internacional, a posição não ajuda o Brasil junto aos parceiros ocidentais e democráticos já desconfiados com a passação de pano para Putin. Também não ajuda nossa política externa nem a atuação da nossa diplomacia no exterior. Parece que Lula escolheu um lado. É esperar o que vem por aí.