Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Machismo contra Simone Tebet na CPI da Covid é legitimado por Bolsonaro
O depoimento à CPI da Covid de Wagner Rosário, nesta terça (21) foi a materialização do bolsonarismo raiz. O depoente, de 45 anos, ministro da Controladoria Geral da União (CGU), começou sua participação com uma postura arrogante e autoritária, interrompendo senadores com a empáfia de quem se acha acima das regras, da lei e dos direitos dos outros. Ele deve explicações ao país sobre a suspeita de ter prevaricado no caso de irregularidades no contrato da Covaxin.
O ápice dessa expressão do bolsonarismo puro se deu com a ofensa machista contra a senadora Simone Tebet (MDB-MS) na tentativa de desqualificar a sua intervenção. Ofender mulheres é uma prática cotidiana do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), chefe de Rosário, a quem ele imita.
Provocar a interlocutora, depreciando o seu conhecimento, como fez o depoente ao dizer "recomendo que a senhora leia tudo de novo", dando ênfase ao "tudo" para em seguida dizer que Tebet estava "descontrolada", faz parte de uma prática misógina clássica conhecida por teóricos que estudam a violência contra a mulher. A intenção é desestruturar a mulher, se colocando em lugar de superioridade, principalmente quando se sentem ameaçados.
A senadora é uma das mais atuantes na CPI da Covid. Tem agido com a coragem, a competência e a dedicação que faltam a muitos homens. Porém, dois anos e meio de liderança de Bolsonaro legitimaram esse tipo de atitude no Parlamento, ao vivo, na televisão.
Na noite de terça, depois de se tornar investigado, o ministro Rosário publicou um tuíte em que finge se desculpar. Reproduziu o fajuto "desculpas se minhas palavras lhe ofenderam" e atribuiu a ofensa ao "calor do debate", imitação da justificativa esfarrapada que consta da carta de Bolsonaro, redigida pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), ao ministro Alexandre de Moraes por ter lhe chamado de "canalha".
Não cola.
Representatividade desigual
O Brasil é um país que não respeita as mulheres. Dados do Anuário de Segurança Pública de 2020 informam que a cada oito minutos uma mulher é estuprada no país. No ambiente de trabalho é comum o assédio e o acobertamento dessas violências, as instâncias de denúncias são inseguras e a tendência é que a mulher seja vista como culpada da violência contra si. Trata-se de uma questão cultural e profunda que coloca a mulher em patamar inferior ao homem. É o machismo que nos estrutura. Muitas vezes é também a misoginia: o ódio e o desprezo ao feminino.
Não é de hoje que o Parlamento brasileiro é palco de atos machistas. Com o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando deputados se referiram a ela com desrespeito na dimensão de gênero — o que qualifica esse tipo de atitude como violência contra a mulher — se tornaram também televisionados. A representatividade feminina na Câmara dos Deputados e no Senado é de cerca de 15%, mesmo a população brasileira sendo composta majoritariamente por mulheres (52%).
Isso se reflete na qualidade das discussões e decisões do Parlamento, como ficou evidenciado na CPI da Covid, que a princípio não tinha a participação das senadoras. Após críticas, ficou acordado que as senadoras Simone Tebet (MDB), Eliziane Gama (Cidadania) e Leila Barros (PSB) teriam espaço na comissão e peso na condução dos trabalhos.
Ainda bem. A CPI da Covid teria desempenho inferior sem elas.
Nesses dois anos e meio de governo Bolsonaro, no entanto, se normalizou a falta de mulheres em espaços de poder. Ainda mais quando a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, após o ocorrido na CPI, posta uma foto abraçada ao ministro da CGU Wagner Rosário, capitão reformado do Exército. No mesmo dia, em Nova York, a comitiva brasileira composta por ministros e pelo presidente é o retrato desse menosprezo às mulheres: são todos homens brancos a representar o país.
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