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Maria Carolina Trevisan

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Erros de Bolsonaro sobre invasão da Ucrânia vão prejudicar sua reeleição

Bolsonaro diz que voto do Brasil na ONU é livre e pede cautela com sanções - Agência Brasil
Bolsonaro diz que voto do Brasil na ONU é livre e pede cautela com sanções Imagem: Agência Brasil

Colunista do UOL

04/03/2022 04h00

A invasão russa à Ucrânia confirma ao mundo o que a pandemia de covid-19 já evidenciou: crises globais demandam respostas integradas e coordenadas entre as nações. Seus efeitos não se restringem aos países diretamente envolvidos. A necessidade de um rearranjo mundial é urgente. Nesse contexto, novamente, a inabilidade do governo de Jair Bolsonaro (PL) e as alianças que fez podem afundar o Brasil em mais crise.

O presidente brasileiro insiste em governar para satisfazer seus devotos. Zerou as alíquotas do imposto de importação de motos aquáticas (jet-skis), fez campanha no litoral de São Paulo no Carnaval e mandou mensagem via WhatsApp de cunho ideológico olavista, alinhado ao guru de radicais russos, Aleksandr Dugin, em que tenta transformar o ódio aos "comunistas" em ódio aos "progressistas", aqueles que, segundo o texto, operaram a "nova ordem mundial" por meio de "causas identitárias". A mensagem, revelada pelo jornal O Globo, coloca o Brasil ao lado da Rússia mais uma vez, em clara oposição aos Estados Unidos, à França, ao Canadá e demais países do ocidente. Destoa do próprio Itamaraty, que votou contra Moscou na ONU.

Vale lembrar que, na visita de Bolsonaro a Putin, em 16 de fevereiro, o presidente brasileiro demonstrou apoio aos russos, sentou-se próximo ao colega, disse que os dois países fazem um "casamento perfeito", afirmou ser solidário ao líder russo e disse ainda que Putin "busca a paz". Poderia ter tratado da evacuação de brasileiros e não o fez. Oito dias depois, a Rússia iniciou a invasão à Ucrânia.

Neste momento, não é possível que o Brasil se oponha ao ocidente. Somos parte do ocidente. Estamos rodeados por países do ocidente. Tudo o que afeta esses países também nos afeta. Com uma crise mundial como a que estamos vivendo, com a sobreposição da pandemia e da invasão militar russa à Ucrânia, é indesejável, fora de lugar e perigoso que uma liderança como Bolsonaro se posicione na intenção de satisfazer seu rebanho interno, com vistas às eleições, sem repudiar a invasão russa com transparência.

É um erro, inclusive, de estratégia eleitoral. A crise mundial demanda uma liderança com visão global, não adianta agradar somente aos seus seguidores, postura que tem tomado nas últimas semanas.

As sanções econômicas impostas à Rússia terão consequências na importação e exportação, na indústria, na agricultura, no comércio de gás natural e devem se refletir em inflação mais alta no Brasil. Não há como fugir, o país precisa de um plano, de acordos e de negociação. O setor de logística será impactado pelas restrições ao tráfego de navios e já sofre com congestionamento nos portos. O acúmulo de problemas gera um efeito dominó na economia e requer reorganização interna e externa urgente para mitigar essas instabilidades.

A resposta precisa ser complexa e sofisticada. Até agora, em seu último ano de gestão, o governo de Jair Bolsonaro se mostrou incapaz de conter os efeitos da crise gerada pela pandemia. As consequências de uma má gestão em crises mundiais são conhecidas, como vimos: mais fome, mais miséria, mais desemprego, mais preços altos.

Líderes populistas de extrema-direita tiveram que adequar seus discursos. Após uma semana de ofensiva militares russa sobre a Ucrânia, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, modulou seu discurso xenófobo. Querido de Jair Bolsonaro, tinha planos de criar com o colega brasileiro um sistema de alerta para detectar e inviabilizar acordos internacionais que tivessem o objetivo de retratar a migração de forma positiva. Seria uma maneira de evitar a migração de refugiados africanos, árabes e latinos.

Como os ucranianos têm vínculos afetivos e familiares com a população húngara, Orbán, que disputa a Presidência em abril, mudou de opinião e afirma que agora vai receber os refugiados da Ucrânia. Bolsonaro ofereceu visto humanitário para refugiados ucranianos, o que é positivo. "Faremos todo o possível para receber o povo ucraniano", disse o presidente brasileiro. Essa ambiguidade de posturas é uma maneira de tentar driblar críticas que impactem a corrida eleitoral e para não desagradar o núcleo duro de bolsonaristas.

Na França, que também terá eleições em abril, a proximidade de candidatos de extrema-direita com o líder russo, Vladimir Putin, também é incômoda. Marine Le Pen, principal candidata de extrema-direita francesa, tem ligações conhecidas com o Kremlin. A foto de seu aperto de mão com o russo há cinco anos voltou à mídia. O mesmo constrangimento aconteceu com o jornalista Éric Zemmour, outro candidato de extrema-direita simpático à Putin e que disputa a presidência da França. Nesse cenário, é o centrista Emmmanuel Macron se destaca como preferido dos eleitores e é quem vem conduzindo conversas com Ucrânia e Rússia.

O que a crise global tem mostrado até o momento é que não é possível governar um país privilegiando um pequeno eleitorado fiel enquanto ocorre um evento global dessa magnitude, urgência e violência. Ao chamar seu não-posicionamento de "equilíbrio", Bolsonaro adota uma suposta neutralidade que não existe em um contexto como o atual.

É que o governo brasileiro perdeu a credibilidade e a confiança que o Brasil tinha dentro da organização geopolítica. Foram degradadas pelas alianças com lideranças de extrema-direita e discursos autoritários. A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), foi à abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU na última segunda (28) e nada disse sobre o conflito armado, mas fez questão de falar das benfeitorias do governo Bolsonaro, além de pregar contra o direito ao aborto, se colocando na extrema-direita.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, procurou Bolsonaro na noite desta quinta (3). Sem muito prestígio, buscava pressionar o Brasil a se posicionar. Não conseguiu muito. Bolsonaro e Johnson saíram com um pedido de cessar-fogo em comum. Bolsonaro não repudiou a invasão à Ucrânia. Continua se esquivando, como se não precisasse se comprometer.

Enquanto isso, os ataques se agravam e as vidas se deterioram.