Natália Portinari

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Reportagem

Junta comercial de SP registra firmas de jogo do tigrinho e bancos falsos

A Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) tem liberado o registro de empresas de jogos de azar ilegais e firmas com nomes que imitam bancos famosos, segundo dados obtidos pela reportagem.

Houve uma mudança na análise das empresas no final de 2022, de acordo com funcionários da Jucesp ouvidos pelo UOL, quando passou a valer um registro automático de empresas pela internet.

O sistema tem deixado passar várias empresas que exploram atividades ilegais, como jogos de azar eletrônicos. Funcionários da junta deveriam reexaminar os dados, mas nem sempre isso ocorre.

Entre CNPJs ativos em São Paulo estão o Bradesco Financiamento SA, por exemplo, e o Banco Votorantim Setor Financeiro, que não têm relação com seus homônimos conhecidos no mercado.

Além de estarem registradas no nome de empresários desconhecidos, algumas dessas empresas têm "SA" (sociedade anônima) em seus nomes, embora sejam microempresas, o que também é irregular.

Como funciona o registro

Quando uma empresa é criada, ela é registrada na junta comercial de seu estado. Com base nisso, a Receita Federal regulariza o CNPJ.

Um nome irregular em um CNPJ permite que sejam emitidos boletos de pagamento que pareçam estar endereçados ao banco "verdadeiro", entre outras formas de uso indevido do nome dessas instituições.

Também chamam atenção empresas registradas como se fossem serviços de pagamentos, sem autorização do Banco Central para atuar nessa área. Há cinco firmas que se chamam "Gestão de Pagamentos Online", cinco "Pagamentos Digitais" e seis "Serviços de Pagamentos".

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O Banco Safra precisou entrar na Justiça para impedir uma dessas firmas de usar seu nome. A Banco J Safra Finanças SA foi registrada em 15 de dezembro de 2022 na Jucesp. Em fevereiro de 2024, uma decisão judicial determinou que a Receita Federal suspendesse o CNPJ.

Quando uma empresa é criada automaticamente, a junta comercial precisa fazer um reexame em até dois dias úteis. É o que determina uma instrução do DREI (Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração), órgão do governo federal que supervisiona as juntas comerciais.

A Jucesp não tem cumprido o prazo. Segundo o órgão, de 258 mil processos automatizados desde 2022, 20% ainda não foram analisados (51,6 mil registros). A junta diz analisar 500 empresas por dia.

Jogos de azar

Empresas de jogos de azar proibidos no Brasil têm se aproveitado da lei que autorizou o registro de "bets", casas de apostas online, mesmo sem cumprirem os requisitos exigidos pelo Ministério da Fazenda.

O governo federal orientou as juntas a registrarem apenas empresas cujo objetivo seja, explicitamente, explorar comercialmente "apostas de quota fixa". Esse termo precisa constar do objeto social da empresa.

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O UOL encontrou vários CNPJs ativos em São Paulo que não atendem a essa exigência, mas têm como atividade econômica a exploração de jogos de azar, como a Joker Paris Ltda, que explora pôquer online, e a Maromba Bet Jogos do Brasil Ltda, que tem um site de jogo do tigrinho.

Outras empresas de jogos de azar autorizadas a funcionar pela junta de São Paulo são a Remy Premiações Ltda, Sorte Top $ Ltda, Ecofun Loterias Brasil, Federal Com Amigos Premiações Ltda, A2 Marketing Digital Ltda, Santos & Basilio Promoção de Vendas Ltda, Patrick S Digital Ltda, Hype BR Top Ltda, Carrera Distribuições Ltda, CBM Empreendimentos Digitais, entre outras.

Nenhuma delas, até julho deste ano, tinha como objeto social "apostas de quota fixa", como determinou o Ministério da Fazenda.

O UOL procurou as empresas e perguntou se elas administram algum serviço de bets que estão tentando regularizar — único caso em que, eventualmente, elas poderiam obter a autorização legal para funcionar, que hoje não têm —, mas não obteve respostas da maioria delas.

A Reny Premiações Ltda disse que o "departamento contábil e jurídico vem buscando as autorizações necessárias junto aos órgãos responsáveis para funcionarmos de forma regularizada" e que não está em funcionamento.

O que diz a Jucesp

A Jucesp afirmou à reportagem que, "em casos de nomes empresariais iguais ou semelhantes já registrados, se a empresa não corrigir a questão, a Junta substitui o nome pelo CNPJ e tipo societário".

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"Empresas fraudulentas, como aquelas que usam indevidamente a palavra 'banco', estão sendo bloqueadas e regularizadas. Nesses últimos meses mais de 100 empresas tiveram suas fichas cadastrais anotadas com pendência administrativa em razão da identificação de vícios em seus atos."

Sobre o registro das empresas de jogos de azar, a junta comercial disse que segue a legislação vigente. "Todos os exemplos de empresas relacionadas a jogos de azar citados pela reportagem já possuem apontamentos de pendências administrativas em suas Fichas Cadastrais."

O Bradesco e o Banco Safra foram procurados, mas não comentaram até a publicação desta reportagem.

O Banco Votorantim afirmou que "acompanha o possível uso indevido de sua marca e adota as medidas legais cabíveis, caso haja irregularidades".

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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