Falta de convicção de Lula sobre ajuste coloca lenha na fogueira dos juros
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um crítico dos juros altos e da política monetária do Banco Central, mas também é dele parte da responsabilidade se o BC acelerar o ritmo de alta da Selic na reunião desta semana.
É quase unânime no mercado a percepção de que o Copom (Comitê de Política Monetária) vai subir os juros em 0,5 ponto nesta quarta-feira, ao invés dos aumentos graduais de 0,25 que vinha utilizando desde que início o ciclo de aperto monetário.
Mas os dados econômicos justificam o arrocho no crédito?
Os custos das empresas estão pressionados pelo câmbio que ronda os R$ 6 e pelo aumento dos tributos, fruto da política fiscal do governo de ajustar as contas via aumento de arrecadação.
Já a demanda segue robusta, com uma economia que cresce num ritmo de 3% ao ano. O mercado de trabalho vai bem e falta mão de obra em alguns setores.
Além disso, o governo despejou dinheiro na economia, através de uma série de programas sociais, como Minha Casa, Minha Vida, Pé de Meia, Auxílio-Gás, etc. Também antecipou o pagamento de precatórios.
Sem discutir os méritos desses gastos, a realidade é que demanda aquecida e custos das empresas em alta é igual a inflação subindo. O IPCA já beira os 5%, no topo do teto da meta.
Soma-se a isso o cenário externo. Donald Trump tem chances reais de vencer as eleições americanas e suas medidas protecionistas vão manter mais dólares nos Estados Unidos, o que dá combustível adicional para a moeda americana.
Ainda assim, tem banqueiro peso-pesado que acha que o mercado está exagerando ao cobrar do BC aumento adicional de juros, afinal o Brasil já tem uma das taxas de juros reais (descontada a inflação) mais altas do mundo, o que seria suficiente para atrair capitais para cá.
Então o que falta para conter o BC? Confiança no governo.
Mais precisamente, confiança na determinação do presidente Lula em permitir que seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conduza um ajuste fiscal de corte de despesa.
Portanto, a falta de convicção de Lula sobre o ajuste coloca lenha na fogueira dos juros.
Ao atribuir ao presidente a decisão de cancelar sua viagem a Europa e ao insistir em declarações públicas de que Lula "passou o fim de semana trabalhando" no plano de corte de gastos, Haddad quer convencer o mercado de que convenceu seu chefe a apoiá-lo.
No entanto, serão necessárias medidas concretas, que vem sendo adiadas há meses.
Haddad já disse claramente: o arcabouço fiscal tem um problema estrutural, porque as regras permitem que as despesas totais cresçam 2,5% ao ano, enquanto existem rubricas, como saúde e educação, que avançam muito mais.
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Quero receberSaúde e educação estão atreladas ao crescimento da arrecadação, que sobe a um ritmo acima de 10% ano. Não se trata de querer cortar o dinheiro gasto com escolas e hospitais para os pobres, mas de investir melhor esses recursos. E também de matemática simples. A conta não fecha.
O titular da Fazenda sabe o que fazer. E faz tempo que vem demandando do chefe o aval para isso.
O dólar pode até dar um respiro no aguardo das medidas depois de subir consistentemente nos últimos dias. Porém, faltam apenas dois anos para o final desse mandato do presidente. A desconfiança aumenta, porque medidas de contenção de despesas não costumam ocorrer perto de eleição, portanto, declarações de comprometimento e uma mexida aqui e outra ali não vão dar conta do recado.
Em tempo: saúde e educação já estavam desindexadas da arrecadação antes da PEC da transição, que foi aprovada no governo Bolsonaro, mas negociada pelo time de Lula.
A questão é qual time. Na época, Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil, e Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento Social, conduziram a maior parte da discussão. Haddad só entrou no final para conseguir a aprovação da PEC.
Se o então futuro ministro e seus técnicos estivessem envolvidos na negociação desde o início, esse problema talvez sequer existiria.
E vale lembrar que tinha empresário que desconfiava de Haddad e dizia que Costa seria um bom ministro da Fazenda, por causa do seu "histórico fiscalista" no governo da Bahia. Pois é.
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