Raquel Landim

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Opinião

Lula está correto, e mercado também deve cobrar Congresso a cortar emendas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou mais uma vez evidente sua insatisfação com o pacote de corte de gastos que vem sendo costurado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que está em vias de ser anunciado.

Ele pode até vir a concordar com algumas medidas, mas, em entrevista à RedeTV!, cujos trechos foram exibidos pelo UOL, explicou o porquê da sua insatisfação.

Lula avalia que o Executivo paga a conta sozinho, enquanto o Congresso e os lobbies que atuam por lá saem ilesos.

"Acho que o mercado age com uma certa hipocrisia, sabe, com uma contribuição muito grande da imprensa brasileira, para tentar criar confusão na cabeça da sociedade. Acontece que nós não podemos mais jogar, toda vez que você tem que cortar alguma coisa, em cima do ombro das pessoas mais necessitadas", disse Lula.

"Os empresários que vivem de subsídio do governo vão aceitar abrir mão um pouco de subsídio para a gente poder equilibrar a economia brasileira? Vão aceitar? Se eu fizer um corte de gasto para diminuir a capacidade de investimento do Orçamento, a pergunta que eu faço é a seguinte: o Congresso vai aceitar reduzir as emendas de deputados e senadores para contribuir com o ajuste fiscal que eu vou fazer? ", completou.

Vamos ser céticos. A preocupação do governo não é apenas com as pessoas mais necessitadas, que teoricamente perderiam recursos se houver a desindexação dos gastos com saúde e educação, que hoje estão atrelados à receita e crescem acima de 10%, estrangulando o arcabouço fiscal.

Se a vinculação deixar de existir, os ministros do governo, provavelmente, vão ter menos dinheiro para distribuir recursos para seus aliados na base e fazer política. E é conhecida em Brasília a briga entre ministros por orçamento, e de deputados por emendas, para o mesmo fim: distribuir para aliados e ganhar capital político.

Hoje três pontos são essenciais nas despesas públicas:

- gastos obrigatórios como Previdência, saúde e educação, cuja reforma o mercado cobra do Executivo;

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- emendas parlamentares, que saltaram de R$ 2 bilhões em 2015 para quase R$ 50 bilhões, e já têm o tamanho de todo o investimento em obras à disposição do governo;

- e os gastos tributários, que são subsídios que o Estado dá a empresários como a Zona Franca de Manaus, o Simples, a desoneração da folha de pagamento.

"Concordo com o presidente Lula. Não existe paralelo para essa quantidade de emendas ou para esse gasto tributário. É preciso ter pressão da sociedade para que isso mude", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. "Só que a desindexação também precisa ser revista. É preciso aproveitar esse momento de tensão para que isso ocorra".

"Poucas pessoas acreditam que o Congresso é um paradigma de austeridade fiscal. O que o mercado pensa é que todas as despesas precisam ser consistentes com o Orçamento. Se o gasto vai ser feito com saúde, educação ou com emendas, é um problema da política", diz Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central.

E a política não tem dado as soluções necessárias. Não só as despesas obrigatórias continuam engessadas, como os parlamentares abocanham cada vez mais emendas, e os lobbies atuam com mais força no Congresso.

Lula está correto. O mercado cobra muito do Executivo, porque é muito difícil convencer os parlamentares a cortar suas próprias emendas.

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Só que não é mais possível tratar com naturalidade o tamanho do controle do Congresso sobre o Orçamento. Trata-se de uma "jabuticaba" brasileira que não tem paralelo em nenhum país da OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico)

Ele também está certo quando critica os lobbies que se apoderam do Orçamento público, só que, nesse ponto, infelizmente, as críticas muitas vezes não passam de retórica.

Se o presidente batalhou para derrubar a desoneração da folha de pagamento e não conseguiu, também foi dele a ordem para incluir a carne na cesta básica, uma medida que atinge todos os consumidores e, portanto, não beneficia apenas os mais pobres, mas principalmente os bilionários donos de frigoríficos.

A questão é complexa, e as responsabilidades deveriam ser compartilhadas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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