Raul Juste Lores

Raul Juste Lores

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Secretários paraquedistas de Nunes já ajudam Marçal e Gusttavo Lima

Deu a louca no RH de Ricardo Nunes. E olha que a prefeitura terá orçamento recorde este ano, de R$ 125 bilhões. E Totó Parente é o novo secretário de Cultura de São Paulo. Nunca ouviu falar?

É porque Totó foi vereador em Cuiabá entre 2000 e 2004, e secretário do ministro Geddel, da Integração Nacional, no governo Lula. Depois, assessor no governo Dilma. Continuou em Brasília, com Temer, na pasta do Turismo. Depois, secretário-adjunto de Comunicação do inesquecível governador do Rio Wilson Witzel, e trabalhou com Simone Tebet, no atual governo Lula. Como se fosse pouco, ainda foi assessor de campanha de Lindbergh Farias, o deputado federal que namora Gleisi Hoffmann, a presidente do PT. Ou seja, caiu de paraquedas em São Paulo. A mídia matogrossense celebrou mais a nomeação do conterrâneo do que a paulistana, que desconhece Totó.

Apesar do currículo vastamente generalista, o Forrest Gump do MDB não tem nenhuma passagem conhecida como produtor, administrador cultural, artista ou mecenas. Não deve saber a diferença entre a eternamente inacabada Vila Itororó e a semi-abandonada Casa Modernista. Será que sabe que a Virada Cultural de São Paulo é a mais cara do mundo, apesar de inócua e sem repercussão? Mal deve saber da pífia programação das salas de cinema dos CEUs na periferia de São Paulo ou do deserto que virou a Praça das Artes. Como aceitou um cargo para o qual não está preparado, precisa aceitar bem o deboche.

Muito se fala do inchaço federal e do número exorbitante de ministérios. E dos cortes de gastos que nunca chegam. Mas o município não é melhor. Em 2018, Bruno Covas tinha 24 secretarias. Nunes tem 35. A primeira reunião do secretariado precisou ser no vasto saguão da prefeitura —não há sala que abrigue tanta gente. Transporte e Mobilidade Urbana e Mobilidade e Trânsito são duas secretarias diferentes —nem se deram ao trabalho de inventar nomes menos semelhantes. Mudanças Climáticas e Verde e Meio Ambiente são secretarias distintas —e uma vai boicotar a outra, como sói acontecer.

Mas o melhor é este bololô: as secretarias de Projetos Estratégicos, Planejamento e Entregas Prioritárias, Gestão, Governo, Casa Civil, Desenvolvimento Econômico e Trabalho e Desestatização e Parcerias. Se a prefeitura não consegue arbitrar tantas bolas divididas e torrar dinheiro com nomeados dispensáveis, "gestão" não é o forte, apesar da nomenclatura.

O secretário de Cultura não é o único forasteiro (não só de cidade, mas de expertise) a assumir uma pasta importante no segundo mandato de Nunes.

O pastor da Igreja Universal Milton Vieira, residente em São José dos Campos, será o secretário de Inovação e Tecnologia. Ele já era o secretário de Habitação da capital, quase sempre à distância. Sua agenda era desenhada sob medida para ele continuar em São José. Nem sinal da moradia popular que surgiria no buraco do Largo do Paissandu, onde um prédio desabou em chamas há quase sete anos. Logo, não esperemos grande inovação ou tecnologia do pastor. Outro pastor do interior do estado, Rui Alves, será o secretário de Turismo. Como deputado estadual, não apresentou um único projeto de lei na área.

O novo secretário de Segurança Pública é o Orlando Morando, que terminou seu segundo mandato como prefeito de São Bernardo do Campo no 31 de dezembro. Não seria melhor pegar umas férias? Morando não deve conhecer as quebradas paulistanas, nem os bastidores da GCM. Antes de ser prefeito de São Bernardo, ele tinha criado um time de futebol local e apresentava um programa de colunismo social na RedeTV!. Mas quem liga para Segurança?

(Se você acha que prefeituras têm pouco a fazer nessa área, então tanto faz o nomeado, sugiro que assista a este vídeo aqui.)

Continua após a publicidade

Descanso dos ex-prefeitos

Morando não é o único ex-prefeito que, impedido para um terceiro mandato, ganhou uma boquinha na prefeitura. O ex-prefeito de Osasco, Rogerio Lins, será secretário municipal de Esportes e Lazer. Como foi prefeito de uma cidade grande pelos últimos oito anos, Lins dificilmente teve tempo para conhecer os desidratados centros esportivos ou os campinhos municipais de futebol nas mãos de vereadores. O ex-prefeito de Suzano, o bolsonarista Rodrigo Ashiuchi, vai assumir a poderosa Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. De onde saem os licenciamentos ambientais para tudo que se constrói na cidade.

Foi nessa pasta, mas em nível estadual, que Ricardo Salles virou queridinho de boa parte do mercado imobiliário paulistano. O currículo de Ashiuchi tampouco tem qualquer pegada de familiaridade com o verde ou com a água. Ele apenas dirigiu um colégio que pertence à sua família. Foi diretor de marketing da Associação Comercial e Empresarial de Suzano.

O ex-prefeito de Jundiaí, o bolsonarista Luiz Fernando Machado, pilotará a Secretaria de Desestatização. Imagina qual a familiaridade dele com as concessionárias do Mercado Municipal, parque Ibirapuera, Anhangabaú ou Anhembi?

Como autoridades no Brasil não precisam se importar com maçanetas (têm assessores até para abrir uma porta), não se deve estranhar que todos os forasteiros trarão assessores de confiança dessas cidades vizinhas para acompanhá-los. E que desconheçam a capital tanto quanto seus chefes.

Alguns correligionários do prefeito me garantem que, apesar do currículo invisível para as áreas que dirigirão, esses ex-prefeitos têm experiência de comandar equipes grandes. Quem concorda com essa extrema boa vontade deve achar que São Paulo não tem pressa.

Continua após a publicidade

Os novos secretários paraquedistas podem demorar seis meses para conhecer a máquina de suas secretarias, ganhar confiança dos corpos técnicos. E para circular por uma cidade nada fácil de se navegar. Conhecem a zona Norte? E o extremo Leste? Ser secretário também envolve conhecer obstáculos e contrapesos além do Poder Executivo. Quanto tempo levarão para conhecer os vereadores, os demais secretários, o Ministério Público, os conselhos da cidade? Os jornalistas, o Judiciário? Os paulistanos podem esperar por esse demorado cursinho dos novos secretários?

Quem acompanha as acrobacias da classe política nacional sabe que o trampolim para muitos desses ex-prefeitos é se candidatar a deputado federal ou estadual no ano que vem. Ou seja, continuidade interrompida e outros secretários já em 2026.

Os interlocutores de projetos de longo alcance terão que os explicar detalhe por detalhe para os sucessores que virão. Morando, o de Segurança, já está em campanha para deputado federal, e nem bem descobriu onde fica o Viaduto do Chá. Isso é parte de ser político no Brasil e não dar a mínima para temas da cidade. Apenas com um ano de vereança, Sâmia Bomfim (PSOL), Erika Hilton (PSOL), Eduardo Suplicy (PT), Delegado Palumbo (MDB) e Felipe Becari (o dos cachorros, União) deixaram a Câmara dos Vereadores porque queriam mesmo Congresso ou Assembleia.

Campanha pra Marçal

O eleitor brasileiro já se encontra anestesiado por gente sem o menor CV ocupando cargos de importância. É um subproduto do nosso sistema partidário, de coligações-polvo. As que demandam distribuição de secretarias e cargos para os exércitos de cabos eleitorais necessários a cada quatro anos. Uma turma que ocupa postos supérfluos. Podem rachar seus salários com padrinhos ou passar anos de mandato "militando" nas redes sociais, curtindo postagens da situação, ou detonando adversários.

Se o eleitorado fosse mais ativo e a oposição não estivesse na praia até fevereiro, quem sabe houvesse barulho para cancelar tais nomeações. Por enquanto, silêncio.

Continua após a publicidade

A avacalhação está em metástase. O prefeito-sangue-bom do Rio, Eduardo Paes, aumentou as secretarias de 30 para 34. A primeira reunião do secretariado teve que ser no esvaziado e melancólico velódromo olímpico.

Prefeituras Brasil afora, dos políticos profissionais, começarão a construir ginásios e estádios que abriguem tanto apaniguado. A política tradicional não quer saber de ceder, de conter seus apetites primitivos, de entender o mau humor das massas com tanta desfaçatez.

Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, fez reunião de secretariado do velódromo
Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, fez reunião de secretariado do velódromo Imagem: Divulgação/Prefeitura RJ

PT e bolsonarismo também empregam gente-nada-a-ver em cargos importantes. Mas se a política tradicional insiste nesse desvio de função, não pode se queixar se eleitores revoltados voltarem a se encantar com iconoclastas de fora da política. Com artistas performáticos que renegam a política partidária. Cada forasteiro paraquedista do tradicionalíssimo MDB que fracassar em sua pasta paulistana estará fazendo campanha indireta para as futuras versões de Pablo Marçal que pulularão na política. Ou para o próprio coach. Ou até para Gusttavo Lima. Nossos ouvidos que se preparem.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.