Rodrigo Ratier

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Opinião

Por que faz sentido o Brasil investir 10% do PIB na Educação

O problema da educação brasileira é falta de dinheiro ou falta de gestão? A pergunta é antiga e reaparece na forma de polêmica quando alguma notícia puxa o tema financiamento da educação para o centro do palco.

Desta vez, foi a aprovação, na mais recente Conferência Nacional de Educação, da exigência de investir o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na área. O índice deverá constar do projeto de lei que o Ministério da Educação enviará ao Congresso para se tornar o novo Plano Nacional da Educação (PNE).

O que não é novidade nem garantia de nada: o PNE aprovado em 2014 e que ainda está vigente também falava em 10% do PIB. Como não há punição para quem não cumprir a lei, o Brasil investe pouco mais da metade desse patamar (5,4% em 2020).

"Dados evidenciam que a educação brasileira precisa antes de gestão do que de mais verbas", sentenciou a Folha de S.Paulo em editorial, chamando os 10% de "meta farsesca". Ontem (13), O Globo foi pelo mesmo caminho, classificando o índice de "medida sem conexão com a realidade" e tomando partido abertamente na controvérsia: "O problema é o governo gastar mal, pois é refém de políticas ditadas por sindicatos de professores ou grupos educacionais privados."

Os textos geraram reação entre especialistas. Algo esperado, porque na academia essa controvérsia "dinheiro versus gestão" não existe. Entre quem tem investigações científicas publicadas sobre o assunto, há consenso de que o principal problema, de longe, é a falta de recursos para a área.

É verdade que o Brasil já investe uma porcentagem do PIB parecida à dos países da OCDE, o clube das nações mais ricas do mundo. Ocorre que esse nem sempre é um bom indicador para medir o gasto em educação. Ele ajuda a entender o grau de esforço que um país mobiliza na área, mas distorce comparações internacionais. Um país com PIB pequeno em relação à sua população — caso do Brasil — vai investir pouco em cada um dos estudantes.

Nesse aspecto, é melhor usar o investimento por aluno medido em dólar por poder de paridade de compra (US$-PPC), que já equaliza as diferenças de câmbio entre as nações.

Aí a coisa muda de figura, conforme mostra o relatório Education at a Glance, da própria OCDE. Enquanto o gasto médio por aluno no bloco ficou em US$-PPC 11 mil, no Brasil ele girou em torno de US$-PPC 3,3 mil, segundo os dados mais recentes do Inep. Um terço do que se despende em países desenvolvidos.

A comparação mereceu destaque numa manifestação pública em defesa dos 10% do PIB assinada por 70 entidades de pesquisadores, professores e trabalhadores da educação, encabeçada pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).

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"Gestão é importante, mas o dinheiro é fundamental", afirma Nelson Cardoso Amaral, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente da entidade. "Há exceções, mas a regra é que os resultados em provas como as do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes [Pisa] sejam diretamente proporcionais aos investimentos na população de até 24 anos".

Cinco exemplos virtuosos

Uma nota técnica da Fineduca sobre o financiamento do novo PNE conta o movimento histórico de cinco países — Finlândia, Coreia do Sul, França, Japão e Noruega — que conseguiram melhora sensível em seus sistemas educacionais. Em todos os casos, em algum momento de sua trajetória, os governos precisaram abrir a carteira e elevar o gasto na área.

Nas cinco nações, o movimento começou nos anos 1970. França, Japão, Noruega e Finlândia aumentaram entre quatro e cinco vezes o gasto por pessoa de 0 a 24 anos. "Escolhemos esse indicador e não o gasto por aluno porque, em países com muitas crianças e jovens em idade escolar, mas poucas matrículas, o valor por aluno seria artificialmente inflado", diz Nelson. O editorial de hoje (14) de O Estado de São Paulo incorre nesse erro. Ao dizer que no Ensino Superior o Brasil tem o mesmo gasto por aluno que a média da OCDE, a publicação desconsidera que 3 a cada 4 jovens brasileiros de 18 a 24 anos estão fora das faculdades, índice muito maior que a média das nações ricas.

Considerando a população de 0 a 24 anos, o gasto do Brasil é de US$-PPC 2,3 mil. Algumas cifras para comparação:

  • a Finlândia, ponteiro nos exames internacionais, passou de US$-PPC 2,2 mil nos anos 1970 para US$-PPC 11,3 mil em 2016.
  • A subida coreana é ainda mais impressionante: de parcos US$-PPC 151 para US$-PPC 8,2 mil em 2019, mais de 50 vezes o valor inicial.
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Não vem de graça o ganho de produtividade e o desenvolvimento tecnológico que eles tiveram.
Nelson Cardoso Amaral

Os míticos 10%

Para o Brasil, um investimento equivalente a 10% do PIB ajudaria muito, mas ainda não resolveria o problema: chegaríamos a US$-PPC 6,5 mil, compatível com o padrão japonês, mas distante das já citadas Finlândia, Coreia do Sul, França (US$-PPC 8,4 mil) e Noruega (US$-PPC 17,3 mil).

Seria, porém, um esforço inédito.

Há países que investem mais de 10% do PIB em educação (Ilhas Marshall, com 13,6%, e Kiribati, com 12,4%) ou quase isso (Bolívia, com 9,8% e Namíbia, com 9,6%). Mas são nações com PIB per capita muito baixo, o que faz com que o gasto por pessoa de 0 a 24 anos não ultrapasse a casa dos U$S-PPC 1,6 mil. Seus sistemas educacionais são frágeis.

Todos os países que deram um salto ampliaram, por um momento histórico longo (uma década ou mais), o investimento educacional em termos percentuais do PIB, mas nenhum chegou perto dos 10% — a recordista no quesito foi a Noruega, com 7,9%.

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O exemplo coreano, talvez o mais próximo do Brasil por ser um dos poucos países que efetivamente superou uma condição de subdesenvolvimento, não serve de parâmetro. Mesmo chegando a "apenas" 6,3% do PIB para a área, o país viveu taxas de crescimento econômico que não devem se repetir mundialmente nas próximas décadas.

A hora é agora

A nota técnica da Fineduca analisa também o perfil demográfico brasileiro para defender que o momento histórico do Brasil elevar seu investimento em educação é agora.

Primeiro, pela dimensão econômica. A população entre 0 a 24 anos já está em queda, mas o Brasil tem um grande contingente de jovens entrando no mercado de trabalho. Ainda dá para aproveitar o chamado bônus demográfico, período em que a população entre 15 e 64 anos (idade ativa) supera a proporção de crianças até 14 anos e de idosos de 65 em diante, considerados dependentes.

"Trata-se de uma janela de oportunidade que a dinâmica populacional está dando para o Brasil. Se não investirmos agora, no futuro vamos ter uma população envelhecida sem qualificação e sem uma massa de jovens para ajudar o país a se desenvolver", afirma Nelson.

Também há urgência do ponto de vista do direito à educação. No Brasil são 9,3 milhões de analfabetos entre pessoas com mais de 15 anos, 1,9 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos fora do Ensino Médio, 70 milhões de pessoas com 18 anos e mais que não concluíram a Educação Básica. "Investir em educação faz deslanchar ciência e tecnologia, promove inovações e melhora a condição de saúde da população", finaliza Nelson.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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