Redes sociais são culpadas por projetos insanos no Congresso
É uma competição difícil, mas os indícios levam a crer que a atual legislatura do Senado e da Câmara dos Deputados caminha para ser a campeã, com folga, no nível de parlamentares despreparados, grosseiros, oportunistas ou simplesmente ignorantes.
É na extrema direita em sua versão atual — a digital — que eles encontram condições ideais para crescer e se multiplicar. A PEC das Drogas e o PL do estuprador são dois exemplos recentes do modus operandi dessa turma: para problemas altamente complexos, soluções simplistas e equivocadas.
Apontar dedos para o eleitor é acertar no varejo e errar no atacado. Se a existência de maus representantes é por óbvio responsabilidade dos representados, é preciso indagar quem direcionou os holofotes a figuras tão lamentáveis.
Em 2015, Umberto Eco disse que a internet deu voz a uma legião de imbecis. Se vivo estivesse (Eco morreu em 2016), o romancista, filósofo e teórico da literatura talvez completasse o raciocínio dizendo que as redes sociais — que para a vida prática de muita gente hoje são sinônimo de internet — não só dão voz, como recompensam os imbecis.
Dizer que a obra é do tal algoritmo — a série de instruções que indicam às máquinas quais postagens devemos ver em nossas linhas do tempo — é despersonalizar o vilão. Como bem escreve Maria Ressa, jornalista filipina ganhadora do Nobel da Paz em 2021, algoritmo é apenas opinião em código.
Ou seja: alguém, de carne e osso, decidiu que os computadores que governam as redes deveriam premiar com mais visibilidade aqueles que xingam, arrumam briga, se envolvem em polêmicas, apelam aos baixos instintos, difundem teorias conspiratórias, defendem ideias radicais, se apoiam em simplismos, dividem o mundo entre mocinhos e vilões. A lista das estratégias de performance é tão longa quanto conhecida.
Esse alguém não fez isso para causar disrupção social ou para diminuir a qualidade da democracia. Fez e faz isso para manter-nos todos conectados às redes. "Plataforma" ou "rede social" são palavras eufemismos para esconder o que essas empresas realmente são: agências de propaganda, que extraem nossos dados para vender microssegmentações a anunciantes que usam essa informação para nos vender produtos. Nada mais do que o capitalismo e sua incrível habilidade de transformar toda criação humana em mercadoria.
Para as redes e para os anunciantes, quanto mais tempo permanecermos conectados e expostos a anúncios, melhor. O jeito mais fácil de conseguir isso é apelar para os mecanismos psicológicos que sustentam o vício.
Não é ciência de foguete: você acha que as pessoas têm mais chance de permanecer conectadas com 1) a exposição de pontos de vista diferentes do seu, com conhecimentos que às vezes exigem esforço para serem compreendidos, ou 2) com palhaçadas, tretas, apelo às emoções e opiniões equivocadas?
Na obra Como enfrentar um ditador, Maria Ressa usa a metáfora do anjinho e do diabinho que sopram em nossos ouvidos para dizer que as redes fizeram sua escolha: por meio dos algoritmos, transformam o diabinho em diabão, enquanto tascam um cala-boca na figura celestial.
Obviamente, é uma caricatura, mas a conclusão parece cada vez mais palpável: da forma como estão programadas hoje, as redes sociais despertam a pior versão de nós. Inclusive na hora de votar.
Que muitos desses bufões que nos representam sejam levados ao parlamento e estejam até mesmo ocupando diversas cadeiras presidenciais mundo afora é decorrência de uma multiplicidade de fatores, mas não se pode excluir a centralidade do mecanismo das redes. Modos de ser, agir e pensar são construídos pelas relações dos indivíduos com as instituições que formam a sociedade.
Para uma fatia considerável da população, as redes sociais são hoje instituições com mais poder na constituição de identidades do que instâncias tradicionais como escola e família. Podem não determinar, mas influenciam escolhas. No caso em tela, muito ruins.
Nada disso é "natural". É um ajustar de botões, controlados por seres humanos, que decidiu assim. Em termos técnicos, reajustá-los é operação simples — retirar os holofotes dos imbecis não resolveria o problema, mas ajudaria muito.
Falta vontade política e pressão social para exigir que as corporações que dominam o mundo digital abram mão de parte de seu lucro antes de acabarem de destruir a democracia.
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