Militares e mercado, as falsas mágicas da educação de Tarcísio e Ratinho Jr
Seria tão mais fácil deixar professores e professoras trabalharem, mas não. Existe sempre um iluminado em posição de poder que acha que tem a bala de prata para "o problema" da educação. Como esses seres ungidos por Deus jamais pisaram em uma escola pública — não aguentariam 15 minutos na frente de uma sala de Ensino Médio —, suas soluções mágicas vêm de fora do universo da educação. São dessa natureza as propostas das escolas cívico-militares do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e da privatização da gestão de escolas por Ratinho Jr. (PSD-PR).
Não há nada de inovador nas propostas. São políticas já testadas em outros tempos e espaços e que fracassaram retumbantemente em produzir resultados positivos. Bandeira da gestão Bolsonaro, escolas cívico-militares são rechaçadas por quem pesquisa o modelo. Há consenso nas entidades científicas do campo educacional que a militarização da educação básica não consegue sequer reduzir violência e indisciplina — vemos registros de ataques com armas dentro dessas instituições, além de centenas de casos de violação de direitos de estudantes e educadores nas poucas escolas militarizadas no Brasil.
Idem para a privatização da gestão de escolas. A pesquisadora Lara Simielli, da FGV, e o professor Martin Carnoy, da Universidade de Stanford, revisaram mais de 150 pesquisas sobre as escolas charter, modelo internacional em que instituições públicas são administradas por entidades privadas. Conclusões: essas escolas melhoram muito pouco ou nada o desempenho dos estudantes e pioram a segregação e a estratificação da rede. Ou seja, tornam a educação pública ainda mais desigual.
Ambas as ideias partem do pressuposto de que professores e professoras "não dão conta" do trabalho. Como se educadores precisassem de uma forcinha das polícias para segurar a indisciplina e dos empresários para fechar a torneira do desperdício. É o caso de olhar para o próprio rabo, porque nenhuma das duas instituições consegue fazer a própria lição de casa em suas áreas de atuação. A polícia brasileira é um case de sucesso na segurança pública? E o empresariado melhora os serviços públicos privatizados? Talvez possamos pedir aos professores para ajudar a polícia paulistana a conter a criminalidade ou para resolver os apagões da Enel, que tal?
O contexto explica por que esses falsos milagres seguem sendo ressuscitados de quando em quando. O tempo é terreno fértil para populismos e suas sugestões simples — e erradas — para problemas complexos. Há sempre a possibilidade de mostrar um ou outro caso isolado de sucesso, falácia conhecida como exemplar saliente. Nisso se apegam os defensores de tais propostas, convenientemente "esquecendo" de comunicar que as ilhas de excelência recebem uma quantidade de recursos desproporcionalmente maior do que as que continuam na pior.
Assim, até eu, que sou mais bobo e nunca quebrei as Lojas Americanas, consigo administrar uma escola. Quero ver essa turma produzir bons resultados em um colégio que cobrasse, digamos, R$ 700 por mês de mensalidade. Esse é o valor que o governo repassa a cada aluno pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Há gestores públicos que precisam se virar com essa grana. Você conhece alguma escola particular de qualidade que cobre isso? Se conhecer, me avise, tenho duas filhas em idade escolar e gostaria de conhecer essa instituição.
Não tem muito segredo: investindo mais, e investindo no que é necessário — infraestrutura adequada, professores bem remunerados e com plano de carreira, apostando na autonomia escolar, tratando educadores como intelectuais e não como idiotas preenchedores de planilhas em softwares padronizados (outra "solução" do governo paulista) —, a coisa dá certo. Exemplo isolado por exemplo isolado, a rede pública também tem os seus. Basta olhar para as escolas de aplicação das universidades ou para as escolas federais. Essas, sim, produzem resultados concretos — disputam palmo a palmo com as instituições de elite os primeiros lugares nos rankings do Enem — e têm vagas cobiçadas por alunos e suas famílias.
É verdade que recebem mais recursos e correspondem a uma ínfima parte da rede pública. Mas por que não apostar nesses modelos em vez das soluções de fora do campo? Nesse aspecto, falha o titubeante MEC de Camilo Santana e Lula ao não defender um modelo virtuoso que já existe. Isso se dá pelas mesmas razões que ainda impedem o Plano Nacional de Educação, aprovado em fevereiro, de ser encaminhado ao Congresso: o governo federal não quer gastar mais com educação.
O preço da recusa é o campo aberto para o charlatanismo populista dos governos da extrema direita.
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