Risco de Marçal com laudo falso é enorme. Soberba ou medo de vencer?
Às vezes, decisões aparentemente incompreensíveis podem esconder lances geniais. Em outras tantas, são apenas burrice mesmo. Para onde quer que se olhe, o laudo falso publicado por Pablo Marçal em seus perfis na noite de ontem (04) parece estar bem mais próximo da besteira do que do bestial.
De tão desleixada, a fraude sugere que os autores queriam ser pegos. Marçal e sua trupe enfileiraram enganações toscas no documento fajuto: RG incorreto, médico defunto, assinatura falsa, cópia de informações via Google Imagens, inconsistências no nome e na logo da clínica — cujo dono, ex-médico de Marçal, responde por falsificações.
Nem foi preciso investigar muito. Sob o escrutínio da justiça, de todas as grandes redações do Brasil, de adversários políticos e até de potenciais aliados, a lorota foi pulverizada em questão de horas. A luz do Sol é o melhor detergente.
O resumo é que Marçal contratou uma big confusão para requentar uma fake desmentida na véspera. Do ponto de vista político, mesmo considerando o jogo abjeto praticado pelo ex-coach, é quase incompreensível. Eleitoralmente, o momento do candidato do PRTB pode ser descrito como moderadamente positivo. Pelas últimas pesquisas, a despeito de ter arremessado a campanha na lama, sua passagem ao 2° turno varia do possível ao provável. Não seria surpreendente que terminasse - ou termine - o 1° turno na ponteira.
Ainda assim, o influenciador achou que valia o risco. Soberba é uma hipótese. Acostumado a ser tratado por seus seguidores como um iluminado inimputável, Marçal achou que estava lidando com a legião que engambela na internet. E que, se descoberta a mentira, seria possível fingir demência ignorando o caso e vomitando mais de 110 vídeos sobre outros assuntos antes de ter o Instagram derrubado. A tática deve ter funcionado em algum de seus outros rolos.
Tomada a decisão de publicar a farsa, Marçal precisou assumi-la em nome próprio. Diferentemente de outros políticos mentirosos, ele não teria outra alternativa. Bolsonaro e companhia já divulgaram fakes pesadas, mas há duas diferenças importantes.
A primeira: o bolsonarismo se constituiu desde o início como movimento político com múltiplos porta-vozes. Sempre se pode atribuir a mentira a terceiros, e sempre é possível abandoná-los quando dá ruim. A lista de antigos aliados arremessados às chamas é grande. Marçal, por enquanto, é ele por ele, sem anteparos.
A segunda: no caso bolsonarista, as mentiras mais cabeludas quase sempre eclodem pelos subterrâneos do império de comunicação que o ex-capitão montou - sobretudo WhatsApp. São redes menos monitoráveis e mais sujeitas ao anonimato.
Marçal também tem rede grande, mas sem opacidade. O grosso de seu aparato de comunicação está em redes visíveis. Instagram, Tik Tok e YouTube, principalmente.
Para garantir alcance à fraude, só restou ao ex-coach publicá-la no próprio perfil, multiplicando o risco de ser pego e punido. Já aconteceu: post bloqueado, perfil derrubado mais uma vez pela Justiça, convite para um tête-à-tête com Xandão em 24h. Fernando Neisser, professor de direito eleitoral da FGV-SP, afirmou na coluna do Sakamoto que Marçal será cassado, ficará inelegível por oito anos e São Paulo terá nova eleição se ele ganhar. A esperteza está engolindo o esperto.
Tudo aponta para um erro de cálculo grosseiro. Na mesa de pôquer da política, Marçal meteu um all in com cartas de Uno, perdeu e agora quer pagar com dinheiro de Banco Imobiliário. Racionalmente, é difícil de entender. Mas há algum tempo não estamos nesse terreno. Dado o evidente desequilíbrio da pessoa em foco, é importante investigar outras explicações.
No livro Fogo e Fúria, Michael Wolff conta que, ao receber a notícia de que estava eleito presidente, Donald Trump teria ficado, primeiro, em choque. Depois, horrorizado. Melania, a futura primeira-dama, teria desabado em choro de desespero, não de alegria. O plano da família, segundo o autor, seria usar a eleição para autopromoção, tornando Trump "insanamente famoso" e transformando-o em um mártir. Por comparação, numa proposição algo selvagem, ganhar a disputa e ter de governar talvez só atrapalhe os verdadeiros objetivos de Pablo Marçal nas eleições.
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