Rodrigo Ratier

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Opinião

Risco de Marçal com laudo falso é enorme. Soberba ou medo de vencer?

Às vezes, decisões aparentemente incompreensíveis podem esconder lances geniais. Em outras tantas, são apenas burrice mesmo. Para onde quer que se olhe, o laudo falso publicado por Pablo Marçal em seus perfis na noite de ontem (04) parece estar bem mais próximo da besteira do que do bestial.

Marçal no último dia de campanha em São Paulo
Marçal no último dia de campanha em São Paulo Imagem: Anna Satie/ UOL

De tão desleixada, a fraude sugere que os autores queriam ser pegos. Marçal e sua trupe enfileiraram enganações toscas no documento fajuto: RG incorreto, médico defunto, assinatura falsa, cópia de informações via Google Imagens, inconsistências no nome e na logo da clínica — cujo dono, ex-médico de Marçal, responde por falsificações.

Nem foi preciso investigar muito. Sob o escrutínio da justiça, de todas as grandes redações do Brasil, de adversários políticos e até de potenciais aliados, a lorota foi pulverizada em questão de horas. A luz do Sol é o melhor detergente.

O resumo é que Marçal contratou uma big confusão para requentar uma fake desmentida na véspera. Do ponto de vista político, mesmo considerando o jogo abjeto praticado pelo ex-coach, é quase incompreensível. Eleitoralmente, o momento do candidato do PRTB pode ser descrito como moderadamente positivo. Pelas últimas pesquisas, a despeito de ter arremessado a campanha na lama, sua passagem ao 2° turno varia do possível ao provável. Não seria surpreendente que terminasse - ou termine - o 1° turno na ponteira.

Ainda assim, o influenciador achou que valia o risco. Soberba é uma hipótese. Acostumado a ser tratado por seus seguidores como um iluminado inimputável, Marçal achou que estava lidando com a legião que engambela na internet. E que, se descoberta a mentira, seria possível fingir demência ignorando o caso e vomitando mais de 110 vídeos sobre outros assuntos antes de ter o Instagram derrubado. A tática deve ter funcionado em algum de seus outros rolos.

Tomada a decisão de publicar a farsa, Marçal precisou assumi-la em nome próprio. Diferentemente de outros políticos mentirosos, ele não teria outra alternativa. Bolsonaro e companhia já divulgaram fakes pesadas, mas há duas diferenças importantes.

A primeira: o bolsonarismo se constituiu desde o início como movimento político com múltiplos porta-vozes. Sempre se pode atribuir a mentira a terceiros, e sempre é possível abandoná-los quando dá ruim. A lista de antigos aliados arremessados às chamas é grande. Marçal, por enquanto, é ele por ele, sem anteparos.

A segunda: no caso bolsonarista, as mentiras mais cabeludas quase sempre eclodem pelos subterrâneos do império de comunicação que o ex-capitão montou - sobretudo WhatsApp. São redes menos monitoráveis e mais sujeitas ao anonimato.

Marçal também tem rede grande, mas sem opacidade. O grosso de seu aparato de comunicação está em redes visíveis. Instagram, Tik Tok e YouTube, principalmente.

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Para garantir alcance à fraude, só restou ao ex-coach publicá-la no próprio perfil, multiplicando o risco de ser pego e punido. Já aconteceu: post bloqueado, perfil derrubado mais uma vez pela Justiça, convite para um tête-à-tête com Xandão em 24h. Fernando Neisser, professor de direito eleitoral da FGV-SP, afirmou na coluna do Sakamoto que Marçal será cassado, ficará inelegível por oito anos e São Paulo terá nova eleição se ele ganhar. A esperteza está engolindo o esperto.

Tudo aponta para um erro de cálculo grosseiro. Na mesa de pôquer da política, Marçal meteu um all in com cartas de Uno, perdeu e agora quer pagar com dinheiro de Banco Imobiliário. Racionalmente, é difícil de entender. Mas há algum tempo não estamos nesse terreno. Dado o evidente desequilíbrio da pessoa em foco, é importante investigar outras explicações.

No livro Fogo e Fúria, Michael Wolff conta que, ao receber a notícia de que estava eleito presidente, Donald Trump teria ficado, primeiro, em choque. Depois, horrorizado. Melania, a futura primeira-dama, teria desabado em choro de desespero, não de alegria. O plano da família, segundo o autor, seria usar a eleição para autopromoção, tornando Trump "insanamente famoso" e transformando-o em um mártir. Por comparação, numa proposição algo selvagem, ganhar a disputa e ter de governar talvez só atrapalhe os verdadeiros objetivos de Pablo Marçal nas eleições.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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