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Tales Faria

Ministério da Saúde sempre foi usado em barganhas políticas, acusa Mandetta

Do UOL, em São Paulo*

15/06/2020 17h48

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Em sua participação no UOL Entrevista de hoje (15), o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) relacionou a presença de militares no Ministério da Saúde a "barganhas políticas". Em conversa com o colunista do UOL, Tales Faria, falou da possibilidade de impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) e do que considera uma tentativa do presidente em terceirizar a culpa pela escalada de mortes por covid-19 no Brasil.

"O momento de agora é muito triste. Com Temer, Lula, Dilma, é muito triste", diz Mandetta, listando os últimos três presidentes da República. "O ministro não fica mais de um ano, o ministério é muito utilizado para 'toma lá, dá cá', ter um ministro interino para negociar cargos passada a pandemia... Saúde é utilizada em barganhar políticas e talvez este seja mais um destino dele [do Ministério]", opina.

Desde a demissão de Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, o Ministério da Saúde esteve rapidamente nas mãos de Nelson Teich antes de virar responsabilidade do general Eduardo Pazuello. O militar ocupou o cargo por três semanas antes de ser oficializado como ministro interino em 3 de junho; a esta altura, já havia nomeado ao menos outros 12 militares — nenhum deles é médico.

Com as trocas na Saúde, entende Mandetta, a pasta perde pessoas capazes de desempenhar as funções técnicas.

"Temos técnicos com trinta, quarenta anos de Ministério da Saúde, são o que temos de melhor da época em que ainda tinha concursos. No lugar deste pessoal, temos a substituição por militares de carreira. Estou vendo perderem. O tempo vai dizer. A Saúde é um ministério que um dia será olhado com mais carinho pelos presidentes", afirma o ex-ministro.

Fora da pasta, Mandetta diz orgulhar-se de seus posicionamentos no combate ao novo coronavírus:

"Foi a primeira vez que um ministro colocou que médico não abandona paciente. Meu paciente chamava Brasil. Médico não abandona paciente, mas chegou a hora em que se resolveu trocar de médico. Fui exonerado, com muito orgulho."

"Não acredito em impeachment", diz Mandetta

Questionado sobre a possibilidade de impeachment de Bolsonaro, Mandetta disse ver paralelos entre o segundo mandato de Lula e a adesão do chamado centrão ao atual governo.

"São [políticos] profissionais e vão melhorar um pouco o governo. Mas o presidente fica roto, e esta base fica observando quais são as suas possibilidades. Não acredito em impeachment, porque não é bom para ninguém, mas acredito que inicia esta troca de cargos que vai aumentar até o final do governo", opina o ex-ministro, que vê o governo Bolsonaro se entregar ao chamado fisiologismo.

"É um governo que vai pagar pela sua proposta política. A primeira proposta era não ter proposta política, era uma proposta anárquica, e agora é uma proposta clássica que foi desenvolvida no governo Lula. Ela foi feita para salvar o Lula do impeachment do mensalão, e no segundo mandato ela atingiu seu ápice de viés político, acabou com qualquer ideologia [no Congresso], e isso gradativamente deu no que deu", recorda Mandetta.

Na visão do ex-ministro, o Congresso "ficou preso na polarização" fomentada pelo próprio Governo Federal. "E esta polarização já encheu a medida, porque é ruim para todo o mundo", diz.

Invasão de hospitais

Mandetta chamou de "desrespeito" o episódio em que Bolsonaro sugere invadir hospitais para confirmar se há doentes com covid-19 internados.

"Essa foi uma das maiores faltas de consideração. Imagina ele lá internado e alguém dissesse para invadir o hospital, se ele acharia minimamente interessante", criticou. "É um desrespeito que gera violência. Profissionais da saúde que são os agredidos. É uma coisa tão feia, tão desagradável essa politização da doença, que fica sem nexo. Sem presente, a gente fica sem amanhã quando escuta uma especulação vinda do presidente".

O ex-ministro voltou a se colocar como o médico encarregado do Brasil durante a pandemia — discurso que adotou durante boa parte de sua gestão — e disse que sentiu "orgulho" ao ser exonerado por Bolsonaro.

"Foi a primeira vez que um ministro colocou que médico não abandona paciente, meu paciente chamava Brasil. Médico não abandona paciente, mas quem representa a família [Bolsonaro, naquele momento] resolveu trocar de médico. Fui exonerado, com muito orgulho", disse.

Em sua visão, o presidente comete "erros primitivos" à frente da luta contra o coronavírus.

"Acharam que era uma gripezinha, que ia passar com cloroquina, mas a doença se tornou muito agressiva. Conduzir a pandemia com os olhos do mundo voltados para nós com a referência do que não deve ser feito acaba levando a alguns erros impensáveis. As pessoas sob pressão crescem, mas alguns líderes cometem erros primitivos", afirmou.

Bolsonaro e o 'canhão de culpa'

Na visão de Mandetta, sua própria saída do Ministério da Saúde foi uma tentativa de Bolsonaro de terceirizar as responsabilidades do agravamento da pandemia no Brasil. Ele acredita que "o presidente está tentando achar um culpado".

"O primeiro [culpado] que ele tentou foi a China, aí falaram para deixar para lá, porque poderia dar problema. Aí ele virou o canhãozinho para bater na OMS, disse que ia sair da OMS, xingava... E nós compramos inúmeros medicamentos via OMS, o Brasil perderia horrores [com uma saída]. Então pensaram 'em quem posso pôr a culpa? Bom, tem o Mandetta aí, então põe um pouco da culpa nele'", afirma o ex-ministro da Saúde, que classifica tal comportamento como "muito pequeno".

"Precisou um ministro do STF falar que não pode maquiar [os dados de casos e mortes por covid-19]. Esta foi mais uma fuga de responsabilidade política: ele quis arrumar uma maneira de terceirizar politicamente. Já jogou culpa nos governadores, no Congresso, no STF, mas todo o mundo olha e sabe de quem é [a culpa]", diz Mandetta.

Discurso único

Na entrevista, Mandetta voltou a cobrar um discurso único por parte das autoridades em saúde e governantes para o combate à pandemia.

"O vírus é nosso inimigo comum. Deveríamos estar organizados. A gente tentava falar uma língua só. Isso fragmentou a ponto de ter a semana da maquiagem, sem mostrar aos números. É lastimável", disse Mandetta. A fala reprisa entrevista dada por ele às vésperas da saída do cargo e que acelerou sua demissão.

"O século XXI começa agora. É um ponto de divisão. O século XXI começa a partir do coronavírus. É ele que estará tratado nos livros de história. Quem será que está mais atingido? Não existe mais ou menos. É toda a humanidade, toda a globalização. Globalizamos tudo, até as doenças. Vamos colocar todas as fichas na China? O Brasil tem que ver como uma oportunidade. As bancadas dos cientistas nunca foram tão valorizadas."

"O movimento antivacina acabou. A coletividade vai preponderar. Vem um mundo completamente diferente, e o Brasil precisa amadurecer a discussão com pensadores, atores políticos. É muito profundo o que vem por aí. Vamos passar o século XXI sempre reportando para o drama e a intensidade de viver esse momento", acrescentou.

Mandetta afirmou ter rezado "pedindo inspiração, pedindo luz" para o combate ao novo coronavírus. Para o ex-ministro, a pandemia terá reflexo em "várias áreas", não apenas na saúde.

"Ela é muito letal para o sistema de saúde, economia, cultura, educação. Tem várias áreas. Estamos falando de uma síndrome que é uma coleção de problemas que veio com ela. Vamos ter inúmeros casos de câncer pós-coronavírus que não foram diagnosticados. Se não tiver alguém que dimensione o tamanho da confusão, vamos demorar muito tempo para sair", disse Mandetta.

"Vamos ter vários casos de doenças não diagnosticadas. O câncer é uma delas, com diagnóstico precoce, com o custo. Quantas biópsias deixaram de ser feitas?", questionou, reforçando o alerta para que a sociedade continue acompanhando outras doenças mesmo durante a pandemia.

"Os outros países podem não querer abrir as fronteiras para o Brasil. A educação, quanto mais tempo fora da sala de aula, mais dificuldade para compor", completou.

Falta de sensibilidade

Outro ponto central em seus desentendimentos com Bolsonaro, o isolamento social é visto como um debate delicado no país.

"Na favela, com seis pessoas por barraco, naquelas vielas, uma das maiores incidências mundiais de tuberculose porque não tem esgoto, energia... Falar de isolamento no Brasil é muito complicado porque a gente acaba falando para uma classe social específica. Expõe nosso descompromisso achando que favela é coisa cultural. De romântico não tem nada. Está faltando sensibilidade."

Ele acredita que apenas em agosto os números relacionados ao vírus estarão mais próximos da normalidade.

"Eu falei nas coletivas [quando era ministro] que seriam 20 semanas muito duras. Como vamos enfrentar isso vai separar menino de homem. Neste delta de tempo, até agosto, vamos estar voltando para os números mais próximos do normal. Mas vamos ultrapassar junho e julho."

Apoio à eleição de Bolsonaro

Perguntado sobre o apoio a Bolsonaro nas eleições de 2018, Mandetta afirma que "naquele momento, era o correto a ser feito" e não mostra qualquer sinal de arrependimento.

"Se a gente se arrepende de ter votado [em Bolsonaro], não se arrepende, não. Naquele momento tinha que ser dado um basta. Foi dado um basta. Agora, o governo Bolsonaro está escrevendo sua história: fez um primeiro ano de choque, ruidoso, com a mensagem de não ter nenhum tipo de diálogo", afirma o deputado federal.

*Participaram desta produção Arthur Sandes, Emanuel Colombari, Gustavo Setti, Mariana Gonzalez e Diego Henrique de Carvalho.