Lula recua sobre Holocausto, mas sem se desculpar
"Não tentem interpretar a entrevista que dei na Etiópia, leiam a entrevista, em vez de ficar me julgando pelo que disse o primeiro-ministro de Israel." Foi isto que pediu o presidente Lula durante evento nesta sexta-feira (23) no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
A verdade é que o mandatário de Israel resolveu surfar naquela declaração de Lula durante a entrevista de Adis Abeba.
Benjamin Netanyahu usou a fala de Lula para criar uma cortina de fumaça capaz de encobrir as fortes críticas internacionais que vem sofrendo - até em seu país - pela matança que seu governo promove sobre civis na Faixa de Gaza.
Ele disse que as palavras de Lula eram vergonhosas e graves, que o brasileiro comparou a atuação de Israel ao Holocausto nazista e a Hitler e que, portanto, "cruzou a linha vermelha".
No evento desta sexta-feira, Lula não citou a matança de judeus na Alemanha mas reafirmou (abre aspas): "O que o governo de Israel está fazendo contra o povo palestino não é guerra, é genocídio, porque está matando mulheres e crianças."
Então fui atrás do que Lula pediu nesta sexta-feira: para vermos exatamente o que ele havia dito naquela entrevista de Adis Abeba. Bem, ele falou o seguinte. Abre aspas novamente: "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus".
Vamos por partes: o que está existindo na Faixa de Gaza é uma matança generalizada contra a população palestina na região.
É genocídio? Pode não ser, na medida em que não se está tentando exterminar um povo, mas retirá-lo de uma região. A quantidade de mortos, no entanto, é comparável à de alguns eventos considerados genocídio pelos estudiosos.
Por exemplo o extermínio de 80% do povo Herero e 50% do povo Nama, entre 1904 e 1908, é considerado o primeiro genocídio do século passado. Essas sociedades foram exterminadas pelas forças alemãs do Segundo Reich, no território da atual Namíbia, no sudoeste africano.
Aproximadamente, 65.000 Herero e 10.000 Nama foram mortos naquele genocídio. Na Faixa de Gaza, já morreram 30 mil pessoas e é bem possível que esse número aumente, se Netanyahu não for detido.
Mas, mesmo que não se considere o caso de Gaza como genocídio, o fato é que está ocorrendo ali uma matança generalizada.
Isso é inegável, embora também seja inegável que o Holocausto judeu teve proporções gigantescas que fazem não valer a pena a comparação feita por Lula.
E, de fato, embora ele não tenha atacado o povo judeu, nem o judaísmo ou coisa parecida, a verdade é que a simples comparação, devido ao tamanho do evento fere a memória dos Judeus.
Vale lembrar o que disse, nesta quarta-feira, o líder do governo no Senado, o petista baiano Jaques Wagner. Ele citou uma conversa com o presidente Lula em que aconselhou:
"Não tire uma palavra do que Vossa Excelência disse, a não ser o final, que, na minha opinião, não se traz à baila o episódio do Holocausto para nenhuma comparação. Porque fere sentimentos, inclusive os meus, de familiares perdidos naquele episódio."
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberO final a que Wagner se refere é aquele trecho em que Lula afirmou que evento semelhante ao da Faixa de Gaza ocorreu, abre aspas, "quando Hitler resolveu matar os judeus".
É claro que Lula se referia à atitude do Netanyahu, não à dos judeus ou dos israelenses em geral. Mas o fato é que feriu sentimentos, não devia ter feito a comparação.
A releitura pedida pelo presidente Lula, então, mostra que ele não atacou os judeus em geral, mas fez de fato a comparação, abrindo espaço para Netanyahu fazer uso político do evento na sua narrativa sobre a matança de palestinos que está promovendo na Faixa de Gaza.
Lula errou, sabe que errou, mas não pode simplesmente se desculpar de joelhos, como cobra o primeiro-ministro de Israel. Está tentando seguir o conselho de Jaques Wagner e apagar o trecho da entrevista em que fez a fatídica comparação. Recuou, mas não recuou.
Como velho adepto de frases futebolísticas, para tentar driblar o infortúnio, Lula fez que foi mas não foi. Não sei se chegará ao gol e nem sequer à pequena área. Depois de um drible mal dado, fica difícil um segundo drible.
Deixe seu comentário