Filha de Cupertino se emocionou ao depor em julgamento do pai; ouça trechos
A coluna teve acesso ao áudio do depoimento de Isabela Tibcherani, filha de Paulo Cupertino Matias, à Justiça de São Paulo na última quinta-feira (10). O júri foi dissolvido após o advogado do réu ter sido demitido por Cupertino, e agora haverá um novo julgamento, ainda sem data definida — e com outro corpo de jurados.
Isabela se emocionou no início do depoimento, de cerca de 50 minutos, enquanto falava que antes do crime havia saído de casa, possivelmente devido a uma crise de ansiedade, e combinou de encontrar o namorado, o ex-ator de ''Chiquititas'' Rafael Miguel, em um parque próximo da residência dela.
Ela voltou a ficar com a voz embargada ao contar quando foi trancada pelo pai em casa após ser levada pelo namorado e pelos sogros, João Alcisio Miguel e Miriam Selma Miguel, de volta para casa. Chegando ao local, conforme o relato, ela começou a ouvir os "muitos disparos". Isabela e Rafael tinham mais de um ano de namoro quando o crime aconteceu.
O depoimento continuou com uma promotora questionando como ela conheceu Rafael. Ao descrever a rotina que tinha, a depoente explicou que só ficava em casa ou ia à escola e, em raros casos, conseguia sair para outros ambientes com a mãe, visto que o pai impunha diversas proibições. Isabela relatou que as exigências refletiam o temperamento de Cupertino.
Ele é uma pessoa... não sei a palavra exata, mas... agressiva, me proibia de tudo, não tem um bom olhar para as mulheres. Eu tenho três irmãos homens e o tratamento para comigo sempre foi muito diferente por eu ser mulher. Então, eu senti durante toda a minha vida, toda a convivência com ele, que o tratamento comigo era diferente por conta disso. A proibição, a superproteção, e todo o resto. [Promotora: Pelo fato de você ser mulher?] Sim, tanto que ele falava em brincadeiras e conversas paralelas com pessoas conhecidas: 'Você só vai namorar depois dos 30, se eu deixar'.
Isabela Tibcherani, filha de Paulo Cupertino
Isabela narrou agressões contra ela e a mãe
Na sequência do depoimento, a jovem relatou que o pai agredia "recorrentemente" psicológica, verbal e fisicamente a mãe, Vanessa Tibcherani, que também prestou depoimento, e declarou se recordar da primeira agressão que presenciou aos três anos. Ela ainda acrescentou que conforme crescia, se chorasse diante das violências, era agredida também.
Em outro momento, Isabela chorou ao falar sobre as partes do corpo de sua mãe que tinham marcas em razão das violências sofridas, acrescentando que quando "alcançou a maioridade" também foi agredida pelo pai.
Descoberta do namoro com ator
Isabela também narrou quando Cupertino descobriu o relacionamento dela com Rafael. A jovem contou que o pai a deixou trancada dentro da casa por cerca de oito meses, com poucos dias que ela podia sair, e tomou o celular da jovem, chegando a ler as mensagens no aparelho após exigir que a senha fosse passada.
Questionada pela promotora se o pai não se importava em vê-la triste com a situação de não poder sair de casa, respondeu: "[Ele] falava para eu ocupar com a minha cabeça, limpar da casa, que ia passar. [Mais alguma coisa?, questiona a promotora] Ele não se importava muito se eu estava triste ou não".
Dia feliz na véspera do crime
Um dia antes do crime, a jovem falou à Justiça que teve um dia feliz porque conseguiu reencontrar o namorado, com a ajuda da mãe e sem o conhecimento do pai, na festa junina do curso que o irmão dela fazia na época.
Ao narrar o dia dos assassinatos, Isabela voltou a chorar e disse achar que acordou ansiosa e decidiu sair de casa — e acionar o namorado — porque pensou "que aquele momento [de felicidade em vê-lo no dia anterior] tinha acabado e não sabia qual seria o próximo momento que poderia estar com ele" novamente.
Em determinado momento, a jovem também disse que temia que o pai a encontrasse com Rafael e fizesse algo contra o ator, visto que eles se viam escondido durante o namoro. "[Sim, eu tinha medo disso acontecer] por toda proibição que eu já vivia naturalmente, até mesmo antes de conviver com o Rafael, eu sempre vivia com medo. Então, sim, sempre existiu medo."
[Promotora: Mas medo que o seu pai fizesse o quê?] Me encontrasse, me pegasse num momento, sei lá, numa praça com o Rafael, talvez, e me pegasse a força para me levar para casa. Em momento nenhum a minha cabeça pensou que ele pudesse fazer o que ele fez.
Isabela Tibcherani, filha de Paulo Cupertino
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Quero receberEncaminhando para o fim do depoimento, ela voltou a ficar com a voz embargada ao relatar a situação em que encontrou os corpos do namorado e dos sogros logo após os assassinatos. Na sequência, se emocionou de novo após ser questionada se tentou algum contato com Camila, irmã do ator, após o crime. Segundo ela, as duas se encontraram no velório.
Advogado diz que depoimento de Isabela fez com que ele fosse demitido
O advogado Alexander Neves Lopes, então defensor do réu, contou ao UOLque Cupertino já vinha se exaltando desde o início do julgamento. O fato de Isabela não querer depor na frente de Cupertino fez com que entrasse em colapso. Segundo Lopes, o homem começou a gritar e até urinou na cela: "no meio dessa gritaria, disse que eu não era mais o advogado dele'', relatou o advogado à reportagem na terça-feira (15).
O defensor tentou explicar que não poderia fazer nada a respeito do depoimento da filha. Isabela havia solicitado ao Tribunal que desse seu depoimento de forma remota antes do dia do julgamento. O pedido foi negado e a Justiça determinou que Cupertino saísse da sala quando ela fosse falar.
''Conversei com ele, mas não tinha jeito'', relatou o advogado. Momentos antes, o réu também se irritou com o fato de estar sendo filmado, acreditando que fossem câmeras da imprensa. Lopes, então, esclareceu que eram equipamentos do próprio Tribunal e que o registro fazia parte do protocolo do julgamento.
Na chegada ao Fórum, o advogado havia pedido ao juiz que Cupertino usasse trajes civis e não fosse algemado. O magistrado acatou a solicitação, mas precisou retrocedeu com as mudanças de comportamento do réu, o que teria enfurecido ainda mais o homem.
O que disseram Vanessa e Isabela?
Vanessa Tibcherani foi a primeira a depor e relatou ter sofrido "inúmeras agressões" cometidas por Paulo ao longo de 22 anos de relacionamento. Ela disse que chegou a registrar boletins de ocorrência, mas não seguiu com as investigações porque foi ameaçada por ele.
Questionada pela promotoria, ela confirmou que já foi ameaçada por Paulo com uso de arma. Vanessa apontou que o réu também citou familiares em diferentes ameaças.
Depois, veio o depoimento de Isabela, que namorava Rafael Miguel na época do crime. Ela contou que presenciou as agressões do pai contra a mãe e que também foi alvo dele: "Ele já quebrou um prato na minha cabeça. Também tentou me sufocar com um pano de prato."
O crime
O ator Rafael Miguel, que interpretou o personagem Paçoca na novela "Chiquititas", do SBT, e seus pais, João Alcisio Miguel e Miriam Selma Miguel, foram assassinados em junho de 2019, em São Paulo.
Os três foram baleados após terem ido até a casa da namorada do ator de 22 anos, Isabela Tibcherani. O crime aconteceu na Estrada do Alvarenga, no bairro Pedreira, na zona sul da capital.
O pai da namorada de Rafael, Paulo Cupertino Matias, teria sido o autor dos disparos. Ele era contra o namoro da filha. No mesmo mês dos assassinatos, a Justiça decretou a prisão temporária de Cupertino, que fugiu depois do crime. Um ano depois, o mandado de prisão temporária dele foi convertido em preventiva.
O réu foi preso em maio de 2022 e afirmou ser inocente.
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