Wálter Maierovitch

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Opinião

Maconha no STF: o voto de Mendonça entre o moralismo e a Constituição laica

Depois do voto de matriz conservadora e proibicionista do ministro Cristiano Zanin, a comunidade acadêmica científica e os operadores do Direito especulam a respeito da decisão a ser dada pelo ministro André Mendonça, na ação declaratória de constitucionalidade do artigo da lei sobre drogas proibidas.

Como se sabe, o ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu emplacar no STF um ministro "terrivelmente evangélico".

O ministro Mendonça, na sabatina no Senado, fez questão de ressaltar saber que o Brasil, constitucionalmente, é um Estado laico. Assim, entre a lei e as regras religiosas, o pastor presbiteriano de crença se compromissou a aplicar as normas legais regentes do Estado laico, deixando fora do STF a apologética religiosa e os proselitismos para os púlpitos.

Na sua atuação como ministro, Mendonça, além de se mostrar como filobolsonarista togado, tem adotado, nos votos, posições conservadoras (como esperado).

Mas, fica no ar: nenhuma certeza de o voto não ser carregado pelos conceitos religiosos.

Mendonça deve seguir Zanin

O voto do ministro André Mendonça, pelo seu conservadorismo e sólida formação religiosa, deverá seguir o do ministro Cristiano Zanin, aquele que considerou o uso de drogas um problema de saúde pública a ser reprimido pela legislação criminal.

Em outras palavras, Zanin entende, e Mendonça deverá segui-lo, a criminalização para inibir o consumo. Para Zanin, nada de inconstitucional nessa desumanidade medievalesca.

A maioria formada até o momento no STF, no sentido da inconstitucionalidade de criminalização do porte e posse de maconha para uso lúdico-recreativo, já tardava.

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E a fixação da dosagem a servir de indicativo para a distinção entre usuário é traficante é muito bem-vinda, por evitar injustiças.

Espera-se que as polícias não completem, ilegal e abusivamente, as apreensões para forçar a classificação para o tráfico.

Por último. O uso da maconha fumada causa, como mostra a ciência, efeitos físicos agudos como a taquicardia, os olhos vermelhos. Também resultados psíquicos agudos. Por ser droga perturbadora do sistema nervoso central, gera atraso nos reflexos, prejuízos na atenção e na memória. Relaxa, descontrai.

Enfim, mantida a liberação para maiores de idade, as autoridades públicas deverão iniciar campanhas, como sucede com o tabaco e o álcool. Proibições administrativas serão necessárias, do tipo "não conduzir veículos sob efeito da erva canábica". E proibições administrativas deverão valer para a maconha fêmea, pois a maconha macha não tem, como princípio ativo eficaz, o tetra-hidro-canabinol (THC).

Num pano rápido e com relação ao ministro Mendonça, quem viver verá.

Com a guerra às drogas, o proibicionismo e o moralismo

O moralismo produziu e difundiu, com relação à maconha e ao seu uso lúdico recreativo, duas grandes mentiras. Espera-se que o ministro Mendonça não as use para fundamentar o seu voto.

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Atenção: são mentiras porque cientificamente desmentidas.

Mas, num Brasil de forte moralismo de cunho religioso e de um recente e nefasto negacionismo, tornam-se imperativas conclusões científicas e, no caso da maconha, até o reconhecimento pela presidência dos EUA.

Por partes.

Nunca ocorreu no mundo overdose pelo consumo de maconha. Estudos científicos incontestes afirmaram que a dose mortal é de 4 quilos, com consumo ininterrupto. Ninguém consegue chegar a tanto. E os 4 quilos equivalem a 40 mil vezes a dose normal.

A segunda mentira diz que a maconha é "porta de ingresso" para outras e mais pesadas drogas. Espalhou-se essa fake que ainda se ouve muito. Não existe nenhuma comprovação científica. Nada nos campos farmacológico, químico, psicológico e neurofisiológico.

Importante! Isso levou a Casa Branca a admitir publicamente, em 1972, ser falsa a tese da maconha como porta de passagem para drogas mais pesadas, como, por exemplo, a cocaína e a heroína.

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Uma digressão, sem intuito provocatório, por este colunista sem religião, mas crente em Deus. Na Bíblia está difundido que "Deus faz crescer nos campos ervas com o poder de curar e o homem sábio deve saber usá-las (Eclesiástico 38,4)".

Hildegarda de Bingen, santa e doutora da Igreja, naturalista, teóloga e médica morta em 1179, tinha êxtases e visões. A respeitada Hildergarda deixou escrito a sua experiência. Ou seja, o consumo da semente da erva canábica faz bem ao estômago. E alertou: diminui o mau humor e reforça o bom humor.

A santa da cidade alemã de Bingen, pelo extraído dos seus escritos, detinha conhecimento aprofundado a respeito da cannabis. Tanto que alertou para não se usar a maconha quando a pessoa não está se sentindo bem, "mas se estiver um pouco doente, não fará mal".

No mundo pós, a guerra às drogas (war on drugs) começou com proibições ao café, passou pelo álcool, quando da famosa lei seca dos EUA, pelo tabaco e cunhou-se o termo proibicionismo.

Esse termo consolidou-se internacionalmente diante das posturas do então presidente Richard Nixon. E agiu diante do fracasso no Vietnã, com os soldados americanos a voltar para casa com dependência química. Iniciou-se, então, a pregação por um combate planetário.

Algo que Ronald Reagan, no campo da geopolítica, aproveitou para, com o disfarçado rótulo de war on drugs, combater o comunismo: não existem fronteiras na guerra contra as drogas, disse ele. Do discurso veio a ação, com bases militares americanas espalhadas em diversos cantos do mundo — perto do Brasil, as de Curaçao, Arupa e Iquitos.

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Vale recordar. No âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas), aprovou-se, no enfrentamento às drogas, a Convenção de Nova York de 1961. Ela entrou em vigor em 1964 e estabeleceu o prazo de 25 anos para a erradicação, em todo o planeta, dos plantios de drogas proibidas: maconha, coca, papoula (heroína), etc.

Atenção: o prazo da supracitada Convenção terminou em 1989 e o resultado dispensa comentários. Apenas basta olhar para os países andinos, onde aumentou as áreas de cultivo para a produção de coca. Mais ainda, o Marrocos virou o maior produtor e exportador de erva canábica, óleo de maconha e haxixe. E o PIB (produto interno bruto) marroquino tornou-se dependente da maconha e dos seus derivados.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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