Wálter Maierovitch

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Opinião

Nunes Marques fez como a deusa da Justiça, com uma venda a cobrir os olhos

Terminou o julgamento de Aécio Lúcio Costa Pereira, o primeiro a ser responsabilizado no STF pelos atos golpistas de 8 de janeiro. Colocado como boi de piranha numa trama antidemocrática idealizada com o fim de recolocar Jair Bolsonaro na presidência, Aécio foi preso em flagrante.

Por ações reprováveis e condutas criminosas, continuará na cadeia por bom tempo. A sua pena de reclusão será de 15 anos e 6 meses. E a detenção, em regime semi-aberto, de 1 ano e 6 meses. Terá o bolso duplamente afetado, pela pena de multa e pela indenização mínima, por dano moral, no importe de R$ 30 mil.

Dos 11 ministros do STF, oito deles reprovaram pesadamente o crime coletivo (multitudinário). Ou melhor, sete ministros individualizaram com rigor as sanções e cada um impôs 17 anos de prisão.

Os três outros réus da pauta já podem contar com uma certeza: como se diz no popular, se comprovada a coautoria criminosa, não terão moleza.

O ministro mais moderno, Cristiano Zanin, dosou as penas com menor rigor. Fixou a sanção em 15 anos de privação de liberdade. Ao contrário de Alexandre de Moraes, o ministro Zanin considerou, como exige a lei na individualização das penas, os bons antecedentes de Aécio.

Como esperado, os ministros Nunes Marques e André Mendonça recusavam a competência do STF. Para os dois, a competência era do juízo da primeira instância. Mas os seus pares togados decidiram, por 9 votos, ser o STF competente para julgar as acusações dos envolvidos com os atos e quebra-quebra do 8 de janeiro.

Com isso, o sonho dourado de Bolsonaro foi para o espaço, uma vez que o inquérito a que responde por crimes continuados de peculato e relativos às joias apropriadas, também continuará no STF. Vai prevalecer a mesma orientação. O seu caso é também de conexão probatória, segundo a maioria dos ministros.

Bolsonaro que se cuide

O julgamento de Aécio contou com algumas peculiaridades e muitas sinalizações para os autores intelectuais e financiadores do tentado golpe de 8 de janeiro.

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Com exceção de Nunes Marques, os demais ministros reconheceram uma escalada golpista. E, no contexto, Bolsonaro tem lugar proeminente.

Para muitos ministros, com Gilmar Mendes à frente, a lorota da fraude por meio de urnas eletrônicas serviu como motivação a todos os golpistas. E o autor da mentira, como se sabe, foi Bolsonaro.

Moraes x Mendonça

Durante a sessão, Moraes perdeu a paciência com André Mendonça. Tudo começou quando Mendonça insinuou ter sido estranho a invasão do palácio do Planalto, sem segurança e com o atual ministro da Justiça a relutar em entregar os vídeos das cenas.

Moraes engoliu em seco. Mas não se conteve quando Mendonça expôs serem iguais as tipificações penais da tentativa de abolição ao Estado de Direito com a da tentativa de golpe pela deposição de governo legitimamente constituído. Para Mendonça, ocorreu concussão, absorção.

Com tal entendimento assustador, o saudoso ministro e penalista Nélson Hungria deve ter dado piruetas na sepultura. Mendonça deu o exemplo do roubo, que é composto pelo furto e pela violência à pessoa. Assim, o furto e a violência à pessoa cedem lugar ao roubo. Trocado em miúdos, acusação por um só crime e não por três.

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Mendonça não atentou, e bastava a leitura dos dois tipos penais, para a diferença das condutas descritas na lei. As situações descritas são completamente diversas — com efeito, não errou o legislador em separá-las. Mendonça fixou a pena de Aécio em 8 anos.

O ministro Roberto Barroso explicou seu voto e deixou claro que não incidia no equívoco de Mendonça. Com base na prova, Barroso entendeu a conduta de Aécio apropriada apenas ao tipo sobre a abolição do Estado Democrático, e duvidosa quanto ao de golpe de Estado. Pela prova, poderia ocorrer um bis in eadem, punição dobrada pela mesma conduta.

Com o voto de Barroso, que seguiu no mais o de Moraes, inclusive nas circunstâncias judiciais para a fixação das penas básicas, a sanção chegou a 10 anos e 6 meses — absolveu pelo golpe de Estado.

Nunes Marques viajou na maionese

Durante a sessão de prosseguimento de hoje, o ministro Nunes Marques manteve-se em silêncio. Não mudou o seu voto. Um voto que, no fundo, considerou os golpistas como turistas, como se estivessem passeando em um parque, com alguns, como Aécio, abusando ao causar danos patrimonias.

Pano rápido. Na mitologia grega, Têmis, a deusa da Justiça, usava uma venda a cobrir os olhos. A deusa romana, Giustizia, nunca usou venda e tinha olhos atentos.

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No STF, o ministro Nunes Marques representou a Têmis, a deusa de venda nos olhos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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