Wálter Maierovitch

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Opinião

Israel cai na armadilha do Hamas ao trocar sabedoria por vingança de sangue

Israel está caindo numa armadilha. Evacuar a Faixa de Gaza é exigência impossível a curto prazo.

A arapuca armada a partir de 7 de outubro pela organização terrorista Hamas, com o Irã de cúmplice —alguns serviços secretos apontam para coautoria intelectual, mas ainda sem comprovação—, tem Putin a assistir de camarote.

Com Israel e Hamas em cena, o presidente russo consegue obscurecer a guerra que a Rússia iniciou na Ucrânia.

Lógico, a arapuca está à espera de Israel. E parece que o país está a entrar de cabeça nela.

Não passou despercebido a especialistas europeus em geopolítica, acompanhados no entendimento pelos operadores do Direito Internacional, haver o Hamas atacado para massacrar, matar civis inocentes e recolher a maior quantidade possível de reféns.

O ataque terrorista não teve por objetivo as instalações militares israelenses, e as duas unidades militares atacadas só perderam os seus soldados e oficiais.

Com a brutal matança do 7 de outubro, o Hamas aguarda uma reação desproporcional de Israel, a descaracterizar pelo excesso o conceito internacional de legítima defesa.

O que o Hamas espera

O Hamas, que governa tiranicamente a Faixa de Gaza, não se incomoda com a sorte dos palestinos e do 1,4 milhão de foragidos de guerras presentes no território do enclave. No enclave de Gaza, a população é estimada em 2,3 milhões.

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Na verdade, o Hamas preocupou-se em tomar o poder em Gaza — e conseguiu por eleições legítimas —, mas para nunca mais deixar o governo do enclave. Não foram mais marcadas eleições, ou seja, instalou seu domínio e mantém um governo ditatorial.

Israel, como revela o noticiário, está com 35 batalhões estacionados na linha de fronteira e prontos para a invasão. A comoção em Israel foi tamanha que, após a formação de um governo de união nacional a dividir a autoridade do populista Benjamin Netanyahu, reservistas apresentaram-se em massa.

Uma invasão a Gaza representará sangue derramado de palestinos não integrantes do Hamas. E já se viu o filme do Hamas usar crianças, velhos e mulheres como escudos vivos.

Volto à armadilha. Para os serviços de inteligência dos EUA e Europa, com o plano em execução pelo Hamas, elaborado a quatro mãos com os iranianos, Israel ficará desmoralizado se matar em quantidade civis inocentes.

Para os iranianos, um massacre de inocentes colocará fim ao acordo costurado pelo presidente Joe Biden com a Arábia Saudita a se compor com Israel. Acordo este que, uma vez firmado, isolaria o Irã e sua influência ficaria reduzida à Síria e aos grupos Hamas e Hezbollah.

Numa síntese, o povo judeu, vitimado pelo holocausto nazista com 6 milhões de assassinados, poderia, na visão do Irã e do Hamas, transformar-se em algoz da história.

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Os erros de Israel para satisfação dos iranianos

Quando o governo do Estado judeu anunciou o corte de energia, comida e combustível, os aiatolás iranianos devem ter esfregado as mãos de satisfação.

O jurista e humanista judeu Raphael Lemkin, nascido na Polônia, deve ter virado na sepultura.

Para piorar, o governo de Israel diz ter avisado para a população civil evacuar Gaza, algo impossível a curto prazo, com pressão interna do Hamas e saída ainda fechada pelo Egito. Um aviso meramente protocolar, de impossível cumprimento.

Os direitos naturais à vida e à dignidade da pessoa humana foram absorvidos pelo direito internacional, que é o direito das gentes. Ações violentas contra civis inocentes são proibidas pelas regras do direito das nações.

A Rússia, conforme restou amplamente comprovado, atacou e matou civis na capital da Ucrânia. Cometeu crime de guerra e contra a integridade do Estado soberano da Ucrânia.

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Israel, se consumar o planejado pelo Hamas, com cumplicidade iraniana, cometerá crime contra humanidade. Não se trata de crime de guerra, pois, tecnicamente, estas ocorrem entre estados-nacionais: Rússia e Ucrânia.

O supracitado Rafael Lemkin, indicado por dez vezes para o Nobel da Paz, logrou motivar a então recém-criada ONU para trabalhar, em convenções, com definições sobre crimes contra a humanidade, de guerra e de genocídio.

Um seu discurso na ONU, ficou famoso: "Ninguém nasce odiando o outro pela sua origem, cor da sua pele ou religião".

A esta altura, o supracitado discurso de Lemkin leva à frase atribuída ao profeta Maomé, que, para os crentes islâmicos, subiu aos céus no seu cavalo no lugar onde está a sagrada mesquita de Al Aqsa (a operação do Hamas levou o nome de Tempestade Al Aqsa).

A frase atribuída ao profeta Maomé é a seguinte: " A tinta do estudioso é mais preciosa do que o sangue do mártir". Não falta inteligência a árabes e judeus.

Caso caia na armadilha do Hamas, o Estado nacional judeu irá trocar a sabedoria pela vingança de sangue.

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Atenção. Para Lemkin, o crime contra os direitos humanos consiste em ato ou conduta desumana contra a população civil, povo ou parte dele. Assim, Lemkin inspirou a Convenção da ONU de 1948, em vigor desde 1952.

Outras armadilhas históricas

Na história do Oriente Médio existem muitas armadilhas e escaramuças geradoras de ódios eternos. A mais famosa foi a montada pelos britânicos, e nela caíram, enganados pela promessa, o líder Hussein e o seu filho, o emir Faiçal.

Parêntese: nesse engodo britânico houve a participação de um 007 britânico, de nome Laurence (1888-1935), o inesquecível 'Laurence da Arábia' das telas do cinema, com entrada triunfal em Damasco, a dirigir um reluzente Rolls-Royce.

Incomodados com o império Otomano, extenso da Hungria ao Iêmen, os britânicos prometeram a Hussein um grande Estado nacional árabe, do golfo Pérsico ao Mediterrâneo, com direito de ele se instalar em Meca.

Como todos os historiadores informam, a revolta árabe contra os otomanos-turcos da Arábia, Líbano e Síria foi fundamental para as forças da Entente (Reino Unido, França e Rússia) colocarem fim ao territorialmente imenso império turco-otomano — fundamental na Primeira Guerra Mundial.

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A promessa britânica era falsa, uma verdadeira armadilha. Na realidade, existia um acordo secreto, cujos subscritores autorizados foram os embaixadores Mark Sykes, britânico, e Georges Picot, francês.

O acordo Sykes-Picot dividiu o Oriente Médio entre França, Reino e Rússia. Representou o fim do domínio turco-otomano na região, duradouro de 1516 a 1917.

O Estado nacional árabe prometido a Hussein e ao seu filho Faiças era pura enganação. E, de efetivo, entregou-se uma parte de terra improdutiva da península Arábica.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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