Wálter Maierovitch

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Opinião

O papa Francisco cometeu gafe, contradição ou discriminação?

Desde o Tratado de Latrão de 1929, costurado por Mussolini e pelo então papa Pio 11 e resultante na criação do Estado do Vaticano, as manifestações do papa de turno repercutem muito por toda a Europa e geram interpretações várias.

A lembrar ter perdido força a crença da infalibilidade do papa — atualmente um dogma restrito às questões relativas à fé. Ou seja, o papa seria falível, salvo nas questões de fé, pois inspirado, segundo a doutrina católica, pelo Espírito Santo.

Hoje os jornais europeus, em especial os italianos pelos jornalistas conhecidos por "vaticanistas" por suas especialização, dedicam-se a interpretar, numa fala aparentemente homofóbica do papa Francisco, se ocorreu gafe, contradição ou discriminação.

Só para lembrar, no último Concílio Episcopal dos Bispos, presentes cerca de 200 clérigos, o papa Francisco disse, com portas fechadas e quando tratado o tema de aceitação de gays em seminários, que já existiam muitos "frociaggine" — um termo vulgar para designar homossexuais masculinos.

Rapidamente, o governo da Igreja, a Santa Sé, distribuiu nota a esclarecer não ter tido o papa Francisco nenhuma intenção homofóbica. E apresentava o papa desculpas àqueles que tinham se sentido ofendido.

Origem da palavra

O termo frociaggine é chulo. Nenhuma dúvida a respeito, e na boca de quem é tratado por "santidade" não pega bem.

Numa pesquisa rápida realizada por este colunista, o étimo da palavra comporta dúvidas.

Para alguns dicionaristas, frociaggine provém do latim "flos", que significa flor. Passou a ser utilizado para referir-se às pessoas delicadas. Transmite a ideia de falta de virilidade. Ou seja, popularmente possui, pela evolução, significado machista, discriminatório.

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Alguns filólogos italiano ligam frociaggine ao nome dados aos soldados franceses, ao tempo da ocupação italiana pela França, mas sem qualquer conotação sexual inicial. Com o passar do tempo, no entanto, mudou a significação para expressar órgão sexual flácido.

De qualquer maneira, o papa foi infeliz ao usar um termo que os italianos usam discriminatoriamente como sinônimo de finocchio e veado, num neologismo peninsular e pela marcante presença brasileira no mercado da prostituição masculina

Gafe

Pela nota, e à luz das posturas humanitárias e respeitosas de Bergoglio, a tese da gafe, do involuntário e impensado, é aceitável. Basta não estar a ocupar polos ideológicos radicais.

Certa vez e logo no início do pontificado do papa Francisco, que já dura 11 anos, ele foi perguntado sobre a homossexualidade e respondeu: "quem sou eu para julgar". Papas, mostra a história, realizam diuturnos julgamentos morais. Bergoglio foi humilde, no particular.

No pontificado de Bergoglio saiu, pela via da congregação para a doutrina da fé (Propaganda Fide) — substituta do antigo e terrível Santo Ofício —, a autorização para se abençoar a união entre homossexuais.

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Com efeito, não seria beatice considerar ter ocorrido gafe.

Contradição

O respeitado vaticanista Massimo Franco, autor do livro "Secretum", um best seller sobre os secretos arquivos da Santa Sé, aponta Bergoglio como o papa da tolerância e do acolhimento.

A recordar as alocuções papais, está sempre a ressaltar haver na Igreja espaço para todos.

Massimo Franco, no entanto, deixa no ar a pergunta: por que disse isso? Com qual intenção? Aí entram as especulações e o céu vira o limite.

Para o pessoal apelidado de "papa hóstia", ou habitués de sacristias, o papa Francisco está cansado e velho. Assim, falou o que veio no momento, sem qualquer intenção de diminuir, discriminar.

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Discriminação

Os que chamam Bergoglio de papa comunista, concluem por manifestação homofóbica. Sem razão os que apontam como sendo ele um argentino que domina o espanhol e não o italiano.

Quem na pia batismal leva o sobrenome Bergoglio, com escolha do caminho dos jesuítas, considerados os intelectuais da Igreja, sabe bem o latim, a língua oficial do Vaticano, e o italiano.

Bergoglio, para os conservadores que ficam na sua permanente vigilância, já fez anteriores manifestações discriminatórias. Por exemplo, reprovou as que chamou de "consagrati zitellone" (solteiras que se consagraram freiras) que não são fecundas (che non sono fecundi).

Também foi considerado discriminatório quando, ao cuidar do tema paternidade responsável, num voo de retorno de viagem pontifícia às Filipinas, soltou a frase : "ser católico não significa fazer filhos como coelhos" ( essere cattolici non significa fare figli come conigli"). Bergoglio, para sustentar a frase, citou passagem com uma mulher, que conversou numa igreja, com oito filhos e sete cesarianas.

Pano rápido

O pontificado do papa Francisco está, pela sua idade, alcançando o crepúsculo vespertino. Não cabe, pela suas posturas humanitárias, progressistas e autenticamente cristãs, querer, neste momento final, demonizá-lo. Não é justo. O papa é humano e pode, sem intenção homofóbica, causar, com uma gafe.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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