México terá juízes populares, enquanto STF vira bet nacional
No México, o presidente Andrés Manuel López Obrador vai promulgar hoje (15) legislação para dar "cartão vermelho" aos juízes togados (profissionais e concursados), a incluir os ministros da Suprema Corte local.
Mudança radical mexicana para fazer revirar na sepultura o Pancho Villa —para uns, herói das causas sociais, e para outros, vilão.
No lugar dos juízes concursados e togados mexicanos atuarão os leigos, a denominada magistratura popular. E, isso, por eleição. Não precisará ser bacharel em direito para concorrer.
Em vários países ocidentais a participação popular nos julgamentos é intensa.
Na Europa, o modelo mais empregado mistura os juízes profissionais com os jurados, esses leigos. A propósito, foi a Justiça popular italiana que, na operação Mani Pulite (Mãos Limpas), condenou definitivamente políticos e empresários e os varreu para sempre do cenário nacional —e também extinguiu diversos partidos políticos. Iniciada em Milão, a operação teve por meta reprimir a corrupção na política partidária italiana.
Ao contrário da Lava Jato, a Justiça italiana, com juízes populares e profissionais de quem a população não sabe nem o nome (só sabe dos promotores acusadores), fez desaparecer toda uma classe política, salvo, como se diz em italiano, "quattro gatti" (quatro gatos).
No Brasil, optou-se pela Justiça togada (profissional e concursada) como regra. Existe só uma exceção, o chamado júri popular, com competência para os crimes intencionais contra a vida (homicídio, aborto, etc.).
Quando da ditadura militar e num populismo descarado, os crimes contra a economia popular eram da competência do júri popular. Bastava, por exemplo, um engano de peso de balança de carne, e o vendeiro podia ser levado a júri.
O júri popular brasileiro, lento e moroso, é uma loteria. O nosso modelo para isso é único. Não é imitado por nenhum outro Estado nacional. Pura e velha jabuticaba.
É loteria porque os jurados só respondem perguntas na base do "sim" ou "não". Ou seja, condenam e absolvem sem dar os motivos.
Condenar sem explicar é odioso, viola direitos humanos.
STF e o populismo máximo
Relativo ao júri popular, nesta semana o Supremo Tribunal Federal esqueceu a regra da igualdade de todos perante a lei. Num populismo judiciário, rasgou a lei processual e a paridade foi para o espaço.
Numa reviravolta, a presunção de inocência restou trocada pelo princípio da soberania dos veredictos, ou seja, as decisões dos jurados são soberanas. Fingiram esquecer que elas podem ser alteradas, pelos tribunais, em revisões criminais.
Dessa forma, o STF elevou para populismo máximo esse sistema de júri popular, que condena ou absolve até pelo humor ou preconceito.
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Quero receberA decisão dos jurados virou de cumprimento imediato —se condenatória e no caso de réu que responde o processo em liberdade.
O STF colocou no chinelo até a fundamental garantia da presunção de inocência, jurídica e constitucionalmente de muito maior peso e extensão.
O sistema, como mostra a sua triste história judiciária, convinha aos machismos e à sua matriz patriarcal. Admitia-se o marido matar a mulher infiel, por exemplo —a chamada "legítima defesa da honra".
Demorou muito para mudar. Os tribunais de juízes togados não aceitavam a tese da "legitima defesa da honra" e anulavam. Novos jurados sorteados mantinham a tese e encerrava-se a questão.
O moralismo falava alto, no vulgar "o corno virava herói, com a honra lavada a sangue, e a mulher enterrada como Geny, vingada". Muitas vezes, a mulher e o amante eram mortos.
O júri sempre foi uma espécie de loteria, e o STF foi na onda e restou "bet suprema".
Suprema Bet Nacional
Para os crimes comuns, não da competência do júri, o STF, a partir do caso Lula, não mais admitiu a execução provisória de sentença condenatória confirmada em segunda instância. Só se prendia por sentença quando não mais cabia recurso.
A mudança, à época de Lula, teve como fundamento o princípio constitucional denominado "presunção de inocência": todos os réus são presumidamente inocentes.
E o princípio, na visão do STF, só caia quando surgisse sentença condenatória definitiva (quando exauridos todos os recursos).
Corruptos e colarinhos brancos
Para os casos de júri popular, o STF optou, por maioria de votos, pelo princípio da soberania dos veredictos, de musculatura e força constitucional mais fracas.
Trocando em miúdos: Para poderosos e potentes, caso não matem ninguém dolosamente, valerá a garantia da presunção de inocência. E muitos contarão com o foro privilegiado (por prerrogativa de função).
STF provoca de novo o Congresso
Já que o populismo era a meta, o STF acabou por dar outro pontapé no Legislativo.
É que, pela Lei número 13.964 (Pacote Anticrime), a prisão imediata do condenado pelo júri popular só poderá ocorrer se a pena for igual ou superior a 15 anos.
Para o STF, porém, o condenado pelo júri já vai direto em "cana". O STF decidiu contra a lei ordinária.
Para o vinagre foi também o princípio e a garantia constitucional da necessidade (a liberdade é a regra, e a prisão cautelar representa exceção).
Só ocorrendo a necessidade caberia a prisão cautelar. Não é mais assim, segundo acaba de decidir o STF.
Obrador e Bolsonaro
Bolsonaro, quando presidente, pensou em aumentar o número de ministros do STF. Queria ter maioria e já contava até com o filsobolsonarismo de Dias Toffoli —o mesmo que colocou o STF numa sinuca de bico ao livrar a cara da Odebrecht, de outras e outros, apesar das confissões e acordos de leniência.
Obrador, com os governadores e políticos mexicanos, mudou o sistema, agora com o juiz popular, pelo voto.
No Brasil, salvo na hipótese de ministros do STF, os magistrados são concursados e a brecha se chama genericamente de quinto constitucional.
Como o destino prega peças, o direitista e oportunista Bolsonaro poderá abraçar a tese do esquerdista, progressista e democrático Obrador.
Enquanto isso, o STF com as suas surpreendentes mudanças de entendimentos virou "bet" nacional.
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