"Mortandade" no 3º pavimento deu repercussão internacional a massacre no Carandiru, diz perito
Primeira testemunha ouvida no júri popular de 26 policiais militares acusados pela morte de 73 presos no complexo penitenciário do Carandiru, na tarde desta segunda-feira (29), o perito aposentado Oswaldo Negrini Neto atribuiu à quantidade de vítimas no terceiro pavimento do pavilhão 9 a "repercussão internacional" do massacre. "A violência ali foi muito maior do que nos outros pavimentos", disse.
Ouvido no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de SP) durante cerca de duas horas e meia, Negrini Neto foi o responsável pelo laudo no presídio à época em que a Polícia Militar agiu para conter uma rebelião no local. Ao corpo de jurados composto por sete homens, disse ter visto "um mar de cadáveres" antes de subir para o terceiro pavimento --equivalente ao segundo andar do presídio.
O perito foi testemunha arrolada pela acusação e já havia sido ouvido no primeiro júri do caso, em abril, quando 23 PMs foram condenados a 156 anos pela morte de 13 presos do segundo pavimento do pavilhão 9. Desta vez, são julgados 26 PMs acusados pela morte de 73 presos do terceiro pavimento. O júri teve início no final da manhã de hoje.
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Negrini Neto relatou ter ido ao presídio horas após o crime para uma primeira perícia. Ao tentar subir do primeiro pavimento (equivalente ao térreo) para o segundo (equivalente ao primeiro andar), afirmou, avistou "um mar de cadáveres" no qual contou 90 corpos.
"Tinha aquele mar de cadáveres no saguão, retirados das celas em outros pavimentos, empilhados. Aí entendi de onde vinha tanto sangue [já no térreo], pois, ali, contei 90 corpos", relatou Negrini Neto, que também foi professor da Academia da Polícia Militar durante 30 anos.
A testemunha reafirmou o que dissera no depoimento de abril, quando defendeu que a remoção de cadáveres dos locais em que 111 presos foram assassinados e o sumiço de ao menos 200 cápsulas deflagradas durante o massacre seriam indícios de que a polícia não queria que fosse feita perícia no pavilhão 9 do complexo penitenciário, após a invasão.
"Pude confrontar o laudo do IML (Instituto Médico Legal), feito nos corpos, com o das celas [para chegar ao número de vítimas]. Acredito que vem daí a grande repercussão internacional do caso --devido à alta taxa de mortandade no terceiro pavimento", avaliou o perito, que completou: "O episódio deixou uma marca muito grande na nação policial".
A classificação de massacre dada às 111 mortes ocorridas em todo o pavilhão 9 do presídio foi feita pela OEA (Organização dos Estados Americanos) no ano 2000 --oito anos após o crime.
Este é o segundo júri do caso, que trata da morte de 111 presos da antiga Casa de Detenção do Estado no dia 2 de outubro de 1992. A primeira etapa de julgamentos, realizada em abril, teve condenados 23 PMs pela morte de 13 presos do segundo pavimento do pavilhão 9. Desta vez, os 26 réus respondem pela morte de 73 detentos --quase 70% do total de mortos-- que estavam no terceiro pavimento do pavilhão.
Em todo o terceiro pavimento, entretanto, foram 78 mortes –como cinco foram imputadas a um único policial, identificado por sobreviventes devido aos traços orientais, ele responderá sozinho por elas em outro julgamento.
O sorteio dos sete jurados abriu os trabalhos deste segundo júri. Ao todo, serão sete homens que analisarão se os PMs serão culpados ou inocentes da acusação de homicídio qualificado.
Diferentemente do primeiro júri, composto por jovens de até 30 anos e entre os quais havia uma mulher, o de agora, essencialmente masculino, tem integrantes aparentando no mínimo 30 anos.
Conforme o juiz do processo, Rodrigo Tellini de Aguirre, todos os sete jurados foram submetidos a uma avaliação física. No primeiro júri, dois jurados passaram mal --o julgamento chegou a ser adiado por uma semana e quase foi cancelado, quando um segundo jurado passou mal.
A previsão do magistrado é que as testemunhas de acusação comecem a ser ouvidas ainda hoje. Segundo ele, a estimativa para fim dos trabalhos é a madrugada de sexta (2) para sábado (3).
Os 26 policiais militares acusados poderão ter a maior pena da história da Justiça brasileira: 876 anos de reclusão cada um.
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