Sobrevivente de massacre do Carandiru diz que presos foram "brutalmente espancados"
Um ex-diretor de disciplina do Carandiru e dois sobreviventes do massacre ocorrido em 2 de outubro de 1992 no local tiveram depoimentos exibidos em vídeo, nesta segunda-feira (29), no primeiro dia do segundo júri popular de policiais militares acusados da matança. Um dos ex-detentos, Antonio Carlos Dias, relatou que os presos foram "brutalmente espancados" por policiais no dia do massacre.
"Acredito que há os bons e os maus policiais. Mas acho que os maus são maioria", disse, ao ser indagado pelo promotor Fernando Pereira da Silva, em abril, sobre a percepção que tem da atividade policial após o massacre do qual escapou na antiga Casa de Detenção do Estado. "Não era uma simples invasão: eles entraram matando, atirando", declarou a testemunha, ao fim do depoimento.
Arrolados como testemunhas de acusação, Dias, o também ex-detento Marco Antonio de Moura e o ex-diretor de disciplina da antiga Casa de Detenção já haviam sido ouvidos no primeiro júri de PMs acusados da morte de presos, em abril, quando 23 réus foram condenados por 13 homicídios no segundo pavimento do pavilhão 9.
A exibição de depoimentos em vídeos foi um acordo entre defesa e acusação. O depoimento de Dias é o primeiro a ser exibido aos jurados --sem identificação do rosto da testemunha, que, em abril, no primeiro júri, pediu que os então réus não acompanhassem o depoimento no plenário.
Hoje, os 23 réus presentes ao júri (três se ausentaram) assistiram da plateia à exibição.
Sobrevivente se emociona e fala em "pilhas de corpos"
No depoimento em que se emocionou mais de uma vez, em abril, o ex-detento Antonio Carlos Dias, 47, afirmou que viu “muitos presos” serem mortos por policiais militares enquanto “escalavam pilhas de corpos” de internos vítimas do massacre, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992.
DRAUZIO VARELLA
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Dias havia sido a primeira testemunha ouvida no júri popular de 26 policiais militares julgados pela morte de 15 presos que estavam no primeiro andar do pavilhão 9, onde morreram os 111 presos após a invasão policial que, naquele dia, deveria ter contido uma rebelião.
O ex-detento relatou que brigas entre internos faziam parte da rotina do presídio e que, naquele dia, a “normalidade” que se instauraria na sequência a esses episódios só foi quebrada pela entrada da PM.
“A polícia chegou e foi aquele tumulto para os presos entrarem nas celas; eles tinham medo da polícia. Achávamos que lá dentro estaríamos mais seguros (...). Começamos a escutar barulho, como se alguém pegasse uma lata e começasse a bater --só depois percebemos que eram rajadas de metralhadora”, disse, ele que afirmou ter entrado na cela com outros “quatro ou cinco” internos.
A testemunha se emocionou por alguns minutos ao ser indagada pelo juiz sobre os instantes seguintes ao massacre --o qual, mencionou, durou cerca de uma hora.
“Fizeram um corredor de policiais para ter acesso à escada [ao pátio]. Começamos a descer [das celas], em fila, e teríamos que passar por esse corredor, onde fomos brutalmente espancados. Os policiais tinham facas na ponta das armas e nos espetavam nas pernas, nas nádegas”, disse.
Na sequência, a visão do pátio, segundo Dias, indicava mais mortes. “Eram montanhas de corpos, todos caídos, alguns agonizando. Teríamos que passar por cima deles, escalá-los, e muitos morreram assim --se caíssem, eles [policiais] atiravam e não levantavam mais”, relatou.
Quem erguia a mão morria, diz outro sobrevivente
O segundo sobrevivente que terá o depoimento de abril exibido em vídeo será o pedreiro Marco Antonio de Moura, 44, que, à época, também pediu para ser ouvido sem a presença dos réus. Segundo ele, a atitude evitada logo após a ação dos policiais foi não ter erguido os braços quando, no pátio para onde os sobreviventes foram levados, os PMs perguntaram quem estava ferido. "Os presos que estavam feridos e ergueram as mãos, nós nunca mais os vimos", disse.
Da cela no segundo andar, a testemunha afirma que viu policiais apontando metralhadoras aos presos que estavam ali. De dez baleados, estimou, "pelo menos oito" morreram. A bala que atravessou um dos detentos atingiu o pé dele, que recebeu 14 pontos.
"Quando vi o Choque entrando, pensei: 'Nossa, vou apanhar pra caramba'", disse, lembrando que outras rebeliões já teriam sido contidas com violência pela corporação, também no Carandiru, mas com bombas de gás, não com tiros. "Eu lembro que o polícia (sic) colocou a cara no guichê [da cela] e começou a efetuar os disparos. Fiquei quieto e me fingi de morto", relatou.
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