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Facções pagam ou ameaçam adolescentes e criam "exército" para ataques no CE

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

12/01/2019 04h01

Por meio de pagamentos de até R$ 1.000 ou forçados mediante ameaças, adolescentes da Grande Fortaleza estão sendo recrutados por facções criminosas para realizar os atentados que já duram 11 dias no Ceará.

Até a manhã da última sexta-feira (11), 110 das 309 pessoas identificadas em ataques eram menores de 18 anos, segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Mas muitas famílias relatam excessos nas apreensões.

"Veem um adolescente suspeito --sempre negros pobres da periferia-- e apreendem. Depois que vão saber quem são", diz a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Beatriz Xavier.

Entre os flagrados, há jovens de 13 anos. A maioria fica apreendida provisoriamente por ordem judicial, até que uma medida de internação seja dada, ou não.

Segundo a lei, o período de internação máximo é de três anos.

Recrutamento

A cooptação de jovens por dinheiro ou por ameaças foi confirmada por integrantes que conduzem as investigações na cidade e nos presídios.

O defensor público Muniz Freire, do Núcleo de Atendimento ao Jovem e Adolescente em Conflito com a Lei, atende muitos desses jovens e explica que há basicamente três perfis dentre os apreendidos.

Além daqueles que aceitam dinheiro ou cedem às ameaças, há ainda menores de idade que já são integrantes dos grupos criminosos desde antes da explosão da recente onda de violência --ou seja, jovens que já fazem parte do mundo do crime.

Para o defensor público, o perfil que mais preocupa é o de jovens que agem por ameaças e acabam punidos duplamente.

"Aqui em Fortaleza, temos o histórico de famílias expulsas de casa por facções. Agora, as facções também coagem as famílias a agirem. Como o jovem sabe que não vai ter proteção do Estado, se vê compelido a fazer", diz.

Segundo Freire, essas histórias vêm à luz a partir de relatos de pessoas próximas ao suspeito.

"Esses jovens são punidos porque são ameaçados e depois punidos pelo Estado por evitar a própria morte. A gente tem de ter cuidado em não fazer pré-julgamentos, porque nesse caso eles são mais vítimas do que infratores. Imagina o jovem ali, coagido, ouve: 'ou faz, ou mato você e sua família'? Eles não precisam de internação, mas precisam ser acolhidos por um programa de proteção", afirma.

Valores

Relatos extraoficiais colhidos pela Defensoria Pública Estadual revelam recompensas de até R$ 1.000 por ataque realizado.

"Há esse perfil de adolescente vendo oportunidade de obter recursos, mas que não é do mundo crime. Alguns podem eventualmente ter passado pela delegacia por um furto, algo pequeno; mas não vemos nível de envolvimento com facções. Eles nunca nos admitem o recebimento [de valores], mas as famílias vêm aqui e falam", afirma Muniz.

Diante desse cenário, a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Beatriz Xavier, expressa "muita preocupação" com o tamanho dos grupos apreendidos.

"Temos relatos --e não são poucos-- de famílias relatando ameaças, tortura, chantagem na condução da apreensão desses adolescentes", afirma.

Xavier também relata a imposição de penas não previstas em lei.

"Obrigam a pintar um muro que está pichado, antes mesmo de saber se ele praticou algum das infrações", afirma.

Em nota, a SSPDS diz que "todos os policiais são orientados a agirem dentro do cumprimento da lei."