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Bolsonaro anuncia excludente de ilicitude a agricultores sem consultar Moro

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro Sergio Moro em Brasília - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro Sergio Moro em Brasília Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

30/04/2019 04h00

O projeto de lei que prevê o excludente de ilicitude para proprietários rurais, anunciado ontem pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), não passou pela avaliação técnica do MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública), comandado por um dos seus ministros mais fortes, Sergio Moro. A informação foi confirmada pelo próprio ministério. A medida foi criticada pela possibilidade de aumentar a violência no campo.

O anúncio do excludente de ilicitude para proprietários rurais foi feito por Jair Bolsonaro durante a abertura de uma feira de exposições em Ribeirão Preto (SP).

"É um projeto nosso que será enviado à Câmara, que vai dar o que falar, mas é uma maneira que temos de ajudar para evitar a violência no campo. É fazer com que, ao se defender a propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre no excludente de ilicitude. Ou seja: ele responde, mas não tem punição. É assim que temos que proceder para que o outro lado [criminosos], que teima em desrespeitar a lei, temam vocês, temam o cidadão de bem, e não o contrário", afirmou o presidente.

Bolsonaro promete não punir quem cometer crime em defesa da propriedade

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Na prática, o excludente de ilicitude é um dispositivo legal que prevê que pessoas não sejam punidas por crimes que elas eventualmente tenham cometido. O caso é investigado, mas o autor do crime não é punido.

Normalmente, projetos de lei ou decretos precisam passar por uma avaliação do ministério responsável. O MJSP, por exemplo, deu pareceres técnicos sobre o decreto que flexibilizou as regras para a posse de armas, assinado por Bolsonaro no início do ano.

Essa fase é considerada importante porque permite que os ministérios responsáveis por aquelas áreas opinem sobre a pertinência ou a viabilidade de uma determinada política pública.

Desta vez, no entanto, o projeto anunciado publicamente por Bolsonaro ainda não passou pela avaliação técnica do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O presidente não explicou se o projeto de lei que prevê o excludente de ilicitude a proprietários rurais vai ser incluído no pacote anticrime apresentado por Moro em fevereiro ou se será enviado de forma separada.

Para que entre em vigor, precisa ser aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado e passar pela sanção do presidente.

Medida pode aumentar violência no campo, diz especialista

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, afirma que o anúncio feito pelo presidente precisa ser visto sob três aspectos.

"O primeiro é que é mais uma medida anunciada sem passar pelo Ministério da Justiça. Então, em termos de governança, é uma medida fraca. O segundo é do ponto de vista político. Toda semana, o presidente apresenta um factoide para gerar polêmica. O terceiro é do ponto de vista da segurança. Esse dispositivo pode aumentar, e muito, a violência no campo, que já é alta", diz.

Renato Sérgio de Lima argumenta que o Judiciário deverá ter muita dificuldade em analisar os futuros casos de excludente de ilicitude no campo brasileiro.

"O Brasil tem um problema crônico em relação à titularidade das terras. Na maior parte do país, o que temos são terras devolutas, em disputa. Como a Justiça vai decidir se aplica ou não o excludente de ilicitude quando tivermos um homicídio em uma terra que cuja titularidade está sendo disputada? Vai prevalecer quem tem mais poder econômico?", questionou.

Tema polêmico

O excludente de ilicitude é um dos pontos mais polêmicos do pacote anticrime apresentado por Moro ao Congresso Nacional.

No tópico relacionado aos crimes em legítima defesa, o projeto de Moro prevê que o juiz pode reduzir pela metade ou deixar de aplicar uma punição a agentes de segurança em situação de confronto que tenham cometido "excessos" se eles forem decorrentes de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".

Críticos ao projeto afirmam que esse dispositivo, se aprovado, equivaleria a uma "licença para matar" dada a policiais e demais agentes de segurança. Moro, no entanto, rechaça essas críticas.

Outro lado

Procurada, a Casa Civil, que é responsável pela elaboração e apresentação de projetos de lei de autoria do Executivo, disse que o projeto ainda está em fase de estudo e que não tem uma data exata para ser apresentado.

O órgão não se manifestou sobre o fato de a proposta ainda não ter passado pelo MJSP.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.