Jovem desaparecido: Imploro fala de testemunhas ou libero PMs, diz delegado
Resumo da notícia
- Para delegado, depoimentos de testemunhas são essenciais para o caso
- "Lei do silêncio", diz policial, prevalece entre possíveis testemunhas por medo de retaliação
- Polícia já foi a quatro lugares buscar Carlos Eduardo após denúncias anônimas
- Jovem desapareceu após abordagem policial em 27 de dezembro de 2019
- PMs não estão presos, estão alocados em serviço administrativo
"Estamos aguardando, precisando, implorando para que as testemunhas do caso do Carlos Eduardo venham para a delegacia depor. Nós iremos preservá-las. Sem esses depoimentos, vou acabar ouvindo os PMs, relatando e os liberando. As provas estão frágeis porque ninguém quer falar."
A afirmação acima foi dada ao UOL pelo delegado Josias Guimarães, que investiga o desaparecimento de Carlos Eduardo dos Santos Nascimento, 20, por meio da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Jundiaí, cidade onde o jovem foi visto pela última vez, ao ser abordado por policiais militares, na tarde de 27 de dezembro de 2019. Os policiais militares não estão presos. Estão alocados em serviço administrativo.
De acordo com o delegado, a investigação está praticamente parada pela falta de testemunhos. "Está prevalecendo a lei do silêncio, porque dizem que são PMs, que podem retaliar. Isso tem dificultado muito o nosso trabalho. Não adianta ir falar na imprensa, tem que falar no inquérito para haja responsabilização a quem fez isso e para que o rapaz seja encontrado também", afirmou.
Guimarães relembra que as denúncias podem ser feitas de forma anônima, tanto pelo telefone 190 quanto diretamente na Polícia Civil. "Nós temos um dispositivo que preserva a testemunha. A intenção é descobrir rapidamente o que aconteceu para que a família tenha uma pronta resposta", disse.
Até agora, no entanto, o delegado informou que a polícia só recebeu alarmes falsos. "Pessoas mal-intencionadas ficam ligando para a PM para dizer que tem um corpo parecido com o dele em tal lugar ou em outro lugar, tudo mentira. Estamos cansados de receber esses trotes de pessoas maldosas", relatou.
Ainda de acordo com o delegado, por meio dessas denúncias, as polícias Civil e Militar, além do Corpo de Bombeiros, foram a quatro lugares diferentes. "Fomos a Caxambu, Imirim, Jarinu e, amanhã, vamos ao bairro de Campo Largo, que fica ainda em Jarinu, mas longe do centro da cidade. As pessoas informam e temos que ir averiguar", disse.
Cães da PM chegaram a farejar o cheiro de Carlos Eduardo em uma mata de Jarinu. Segundo o delegado, no entanto, como nada foi encontrado ali, o indicativo é de que os PMs tenham parado a viatura ali antes de levar o rapaz para outro lugar.
A suspeita e as dúvidas
A principal suspeita da Polícia Civil e da Corregedoria da PM, que investigam o caso, é que três policiais do 49º BPM (Batalhão da Polícia Militar) sejam responsáveis pelo desaparecimento do rapaz. A investigação tenta descobrir o porquê. Os PMs suspeitos, que estão afastados, negam. O MP (Ministério Público) acompanha as investigações.
O Corpo de Bombeiros foi mobilizado para tentar ajudar a encontrar o rapaz, após cães farejadores da PM terem indicado o cheiro de Nascimento em uma mata de Jarinu, a 35 quilômetros de distância do local onde ele foi visto pela última vez. A suspeita da Polícia Civil é de que nesse local os PMs podem ter parado a viatura com Carlos Eduardo.
Por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que "todas as circunstâncias relativas ao caso são apuradas pela DIG (Divisão de Investigações Gerais) de Jundiaí e pelo 49º Batalhão de Polícia Militar do município".
"A Corregedoria da PM acompanha o caso e, juntamente com equipes da área, realiza buscas pela região, com o apoio de canil da PM e do Corpo de Bombeiros. Os policiais envolvidos na ocorrência permanecem afastados", complementou a pasta.
Entre cinco amigos, só o negro foi levado
Nascimento foi a um bar no bairro Jardim São Camilo, na periferia da cidade, às 17h de 27 de dezembro de 2019 para confraternizar com quatro amigos. Os cinco foram abordados pela PM. Apenas Nascimento, o único negro entre eles, foi colocado dentro do carro policial. Desde então, nunca mais foi visto.
O caso foi registrado como desaparecimento no fim do ano passado. Só seis dias depois a Policia Civil iniciou buscas pelo jovem e passou a investigar o sumiço. Sete dias após o desaparecimento, a Corregedoria identificou a viatura que realizou a abordagem. Os policiais registraram internamente a abordagem dos quatro amigos brancos, mas não há registro sobre Carlos Eduardo.
A Corregedoria não conseguiu localizar os amigos abordados. A reportagem apurou que todos deixaram o bairro por medo de serem mortos por policiais em uma possível retaliação.
As buscas se iniciaram por Jundiaí, mas, sem indícios pela região, o raio de busca foi crescendo, até chegar a uma região de mata de Jarinu. "Há indícios. Encontraram o cheiro de roupa do Carlos Eduardo na mata, mas não encontraram o corpo. A Corregedoria está em cima da história e eu também estou acompanhando", disse o ouvidor das polícias, Benedito Mariano.
Em nota, a SSP afirma que a delegacia de Jundiaí investiga o caso por meio de inquérito policial. "Testemunhas e familiares do jovem foram ouvidos e demais diligências estão em andamento para a localização do desaparecido. A Polícia Militar instaurou um inquérito pelo batalhão da área para apurar o ocorrido."
Ainda segundo a pasta, "as fotos e qualquer outra informação recebida serão enviadas à autoridade que preside o inquérito para análise".
Corregedoria identificou viatura
Após investigação da Corregedoria da PM (Polícia Militar), a corporação afastou do serviço operacional os policiais suspeitos de terem sumido com Carlos Eduardo.
O afastamento ocorreu após a Corregedoria ter conseguido identificar a viatura que fazia patrulhamento na região do Jardim São Camilo, onde o jovem estava, no horário e local indicados pelas testemunhas. Entidades de direitos humanos e a ouvidora da polícia cobram elucidação do caso.
É uma prática comum da corporação paulista retirar das ruas os PMs suspeitos de ter cometido algum erro enquanto um IPM (Inquérito Policial Militar) tenta elucidar o que de fato aconteceu. Os policiais sob suspeita estão em serviços administrativos.
Os três policiais estão lotados no 49º BPM (Batalhão da Polícia Militar). O pai do rapaz chegou a ir ao batalhão, no fim do ano passado, à procura do filho. Lá, recebeu a informação de que não havia registro da abordagem. A Corregedoria, porém, identificou o registro sem o nome de Carlos Eduardo.
Para o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), órgão do governo paulista, ocorreu um "desaparecimento forçado" e uma "grave violação de direitos humanos".
"A procura continua. Todos os dias"
A família diz ter esperança de que a polícia consiga encontrar o jovem, mas também faz investigações por conta própria. "A procura continua. Todos os dias. A Corregedoria afirmou que os PMs foram afastados, mas queremos saber onde está meu filho", disse o pai, Eduardo Aparecido do Nascimento.
Nem Ano-Novo a gente teve. Passamos o tempo inteiro no mato do Jardim São Camilo procurando por ele. Sábado, domingo, segunda, terça, quarta. Passei o Ano-Novo buscando meu filho. Numa angústia que não sei descrever.
Eduardo Aparecido do Nascimento, 50, pai de Carlos
Segundo o pai, com medo de morrer, os quatro amigos abordados não se dispuseram a ir com a família à delegacia denunciar o caso.
A esperança do pai, que trabalha como segurança em uma faculdade de Jundiaí, é que o filho tenha cometido algum delito e que esteja detido em algum lugar, mas diz também estar "preparado para o pior".
Carlos Nascimento passou o Natal com a mãe, também em Jundiaí, e disse que passaria o Ano-Novo com o pai, já que os dois são separados.
O que eu quero ouvir é: 'seu filho está preso em tal lugar'. Mas a gente tá preparado para tudo. Se ele errou, que pague pelo erro dele. Pela nossa criação, acredito que não errou, mas espero que tenha sido isso.
Eduardo Aparecido do Nascimento, 50, pai de Carlos
Mesmo após o desaparecimento do filho, o segurança afirma que não se pode culpar toda a corporação por um possível erro.
"Aqui na cidade de Jundiaí, eu nunca ouvi algo parecido. Se realmente a polícia fez algo de errado contra meu filho, todo lugar tem maçãs podres. A única coisa que quero é encontrar meu filho", afirmou.
Eu vou te falar a verdade. Antes de acontecer tudo isso, eu pesava 120 kg. Hoje estou pesando 85 kg. Vou trabalhar, mas não tenho cabeça para trabalhar. Não consigo comer. Meu telefone toca e eu fico desesperado achando que pode ser alguma notícia.
Eduardo Aparecido do Nascimento, 50, pai de Carlos
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