Imagens de celular desmentem ações de PMs; filmar é legal, dizem juristas
Resumo da notícia
- Imagens amadoras revelam casos de violência policial em SP
- Gravar ações policiais é legítimo, dizem desembargadora e advogado
- Para especialista em segurança, quanto mais transparência melhor
- Secretaria da Segurança afirma que denúncias são investigadas
Em um período de duas semanas, uma grávida de cinco meses e um estudante que cobrava ser reintegrado à escola estariam respondendo judicialmente, em São Paulo, por desacato e agressão contra policiais militares.
Ambos só não estão sendo considerados suspeitos de ter cometido crimes contra policiais em razão do uso de aparelhos tecnológicos acessíveis hoje a grande parte da população: celulares com câmeras digitais.
Imagens amadoras, gravadas por testemunhas nesses dois casos, desmentiram o que os policiais registraram na delegacia e inverteram os papéis entre vítimas e suspeitos. Esse tipo de gravação é legítimo.
No caso da grávida, o PM envolvido afirmou teve de usar força padrão. Vídeos mostram o contrário. No caso do estudante, os PMs disseram que revidaram. Os vídeos também provam que isso não aconteceu.
Para juristas e especialistas em segurança pública, os casos exemplificam o que pode vir ocorrendo nos últimos anos em abordagens policiais com excesso. Esses casos são investigados pela Corregedoria da PM e acompanhados pela Ouvidoria das Polícias.
Segundo a Ouvidoria das Polícias, houve 848 denúncias de abuso de autoridade contra policiais civis, militares e técnico-científicos no decorrer do ano passado.
O mau uso do desacato
Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da ONG Conectas, diz que "lamentavelmente, as autoridades públicas ainda fazem uso da lei e da previsão legal do desacato para justificar abusos contra os cidadãos".
"A disposição legal sobre o desacato nem sequer é compatível com a nossa Constituição. É importantíssimo que haja transparência na atuação dos agentes públicos, em especial de policiais", afirma o advogado.
Segundo ele, não há justificativa para que uma gravação seja coibida durante abordagens. "Em contextos muito específicos pode-se discutir se a gravação pode estar gerando algum tipo de problema numa atuação policial. Nessas abordagens, não há o que se cogitar."
Gravações como provas nos autos
A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma que atualmente os meios de obtenção de provas incluem a captação de imagens.
"As gravações de fatos ocorridos na via pública não estão acobertadas por sigilo. Servem como meio de prova, ou indícios de provas. E podem ser utilizados pela Justiça, não só para imputação de conduta abusiva mas também como meio de defesa", diz a magistrada.
A exemplo disso, um policial flagrado, em outubro do ano passado, agredindo aleatoriamente jovens que deixavam um baile funk em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. O PM passou a ser investigado por abuso de autoridade apenas depois de as imagens das agressões terem repercutido.
Presidente do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Renato Sérgio de Lima acrescenta que o policial, como um servidor público em atividade, está sujeito a ser gravado e avaliado pela população.
"Com o avanço da tecnologia, é uma forma, inclusive, de melhorar a capacidade de investigação da interação entre polícia e sociedade. Tanto é fato que muitas polícias estão adotando a gravação nas fardas tanto para produção de provas como proteção do policial", afirma.
Ainda segundo ele, "publicidade e transparência só fazem bem para a sociedade. Só nos ajuda a melhorar a qualidade do serviço policial, evitando abusos e fortalecendo e valorizando o bom policial".
Posicionamento do governo
Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que "as polícias paulistas contam com um rigoroso sistema corregedor, que não compactua com eventuais desvios de conduta de seus agentes".
"Todas as denúncias são investigadas e as apurações têm início na área dos fatos e sempre são encaminhadas às respectivas Corregedorias antes do envio ao Judiciário", complementou a pasta.
Ainda de acordo com a SSP, só em 2019, houve 510 policiais presos, demitidos ou expulsos das instituições.
Policiais de seis batalhões de São Paulo têm câmeras acopladas ao uniforme, tanto para diminuir casos de abusos quanto para servir de prova ao próprio policial.
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