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Violência policial nos EUA e no Brasil é igual, diz professora de Chicago

A professora Yanilda María Gonzáles, que estuda ações policiais na América do Sul - Arquivo pessoal
A professora Yanilda María Gonzáles, que estuda ações policiais na América do Sul Imagem: Arquivo pessoal

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

14/06/2020 04h00

Professora da Escola de Serviço Social da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, a dominicana Yanilda Maria Gonzáles afirma que os assassinatos de João Pedro, adolescente negro de 14 anos que vivia no Rio de Janeiro, e de George Floyd, norte-americano negro de 46 anos, se conectam, apesar da distância em que ocorreram.

Na opinião da pesquisadora que há dez anos estuda a dinâmica das polícias de Brasil, Argentina e Colômbia, essas mortes representam, numa questão macro, que "a violência policial nos Estados Unidos e no Brasil são duas faces da mesma moeda, com grandes semelhanças nas causas, manifestação e dimensão do problema".

Nos dois países, as forças policiais agem em função de hierarquias sociais racistas e classistas, reproduzindo desigualdades na sua atuação. Por exemplo, as polícias americanas e brasileiras são, em geral, extremamente violentas, com altas taxas de letalidade
Yanilda Maria Gonzáles

Na tarde de 18 de maio, o adolescente João Pedro Mattos Pinto brincava com primos dentro da casa do tio, quando foi atingido por um tiro de fuzil 556 pelas costas. O armamento era utilizado pela polícia na operação realizada no Complexo do Salgueiro, região metropolitana do Rio de Janeiro, que tinha como objetivo combater traficantes. A perícia ainda não detectou que o disparo partiu de um policial.

O caso gerou comoção e inflou no Brasil protestos motivados ao redor do mundo pela morte de George Perry Floyd Jr, em 25 de maio, enforcado por um policial em Minneapolis, nos Estados Unidos. Enquanto o agente ajoelhou-se contra o pescoço de Floyd, a vítima afirmou 11 vezes que não conseguia respirar. Ele foi enterrado terça-feira (9) no Texas, onde cresceu, com comoção comparável à provocada pela morte de grandes líderes dos direitos civis do país, como Martin Luther King.

George Floyd, à esquerda, e João Pedro, à direita - Reprodução - Reprodução
George Floyd, à esquerda, e João Pedro, à direita
Imagem: Reprodução

Nascida na República Dominicana, Yanilda chegou aos Estados Unidos como criança imigrante, com 7 anos. Cresceu em um bairro de imigrantes de baixos recursos de Nova York, ganhou uma bolsa de estudos para uma faculdade privada, a Universidade Nova Iorque.

Depois, fez o mestrado e doutorado na Universidade de Princeton. Na sequência, o pós-doutorado na Universidade de Harvard, uma das mais importantes do mundo. Ela já morou no Brasil para fazer sua pesquisa.

De acordo com a professora, "nos EUA, a polícia mata o equivalente a 6% de todos os homicídios no país".

"No Brasil, a proporção é maior, com as mortes decorrentes de intervenção policial constituindo o equivalente de 10% das mortes violentas intencionais. Esses dados são notáveis pois, a instituição que, em tese, deveria reduzir a violência na sociedade é na realidade uma grande fonte de violência contra a sociedade."

"Violência se concentra mais nas populações negras"

A professora aponta que, em ambos os países, as vítimas da violência policial são semelhantes. "Mais preocupante ainda é que essa violência se concentra muito mais nas populações negras. Nos EUA, as pessoas negras são 13% da população, mas 25% das vítimas assassinadas pela polícia. No Brasil, as pessoas negras são mais da metade da população, mas 75% das vítimas", diz.

Essas grandes desigualdades raciais entre as vítimas da letalidade policial são mantidas pelas mesmas desigualdades da sociedade, as quais reproduzem a ideia entre muitas pessoas de que a polícia não deveria tratar todos os cidadãos com igualdade.
Yanilda Maria Gonzáles

"Pensa no clipe que viralizou alguns anos atrás do médico branco que foi preso na Flórida e disse aos polícias 'você está me tratando como negro'. Ou, em São Paulo, o caso do comandante da Rota que disse que a as abordagens nos Jardins têm que ser diferentes das abordagens na periferia: os dois casos refletem um amplo reconhecimento que a atuação da polícia é diferenciada por cor, classe social, e geografia", reflete a pesquisadora.

Para ela, "essas diferenças e divisões sociais são um obstáculo para as reformas policiais, porque não existe um consenso social e político em prol da reforma".

Yanilda diz que as polícias têm poder estrutural para resistir a reformas e impor as suas preferências. "Sem a pressão unificada da sociedade, poucos políticos vão provocar a polícia, só vão acomodar. Por isso, é tão importante ver essas grandes mobilizações nos EUA agora contra a violência policial e o racismo."

"É a primeira vez na história que observamos mobilizações em todos os estados, representando todos os grupos raciais e étnicos do país, todas as classes sociais, repudiando o racismo estrutural e a violência policial especificamente", acrescenta.

Segundo pesquisas de opinião pública, 75% da população dos EUA apoiam os protestos. "Agora, a questão será ver se a polícia poderá bloquear essas transformações e se o consenso social poderá se manter ao longo prazo. A outra pergunta é quando vamos ver uma mobilização ampla e diversa contra a violência policial no Brasil, onde o problema é mais grave e a autonomia da polícia é maior ainda."