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Caso Miguel: Mulher é indiciada por abandono de incapaz com resultado morte

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

01/07/2020 17h42Atualizada em 01/07/2020 20h37

O inquérito que apurou a morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva, 5, que caiu do 9º andar de um prédio em Recife, foi concluído hoje, e a Polícia Civil de Pernambuco indiciou Sari Mariana Gaspar Corte Real, a ex-patroa da mãe do menino, pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte. Em caso de condenação, o crime prevê de quatro a 12 anos de prisão.

O resultado foi divulgado na tarde de hoje pelo delegado Ramon Teixeira, da delegacia de Santo Amaro, responsável pelas investigações. O delegado informou que os trabalhos investigativos chegaram à conclusão de que Sari Corte Real cometeu o crime porque permitiu que Miguel ficasse sozinho no elevador e esse fato resultou na morte do menino.

"Foi a atuação da moradora [Sari Corte Real], capturada nas imagens, aparentando pressionar a tecla da cobertura, não menos importante, permitindo por uma conduta omissiva o fechamento da porta do elevador e deixando a criança sozinha. Menos de dois minutos depois, a criança caiu para morte", disse o delegado Ramon Teixeira.

Miguel caiu do 9º andar de um prédio de luxo no bairro São José, área central do Recife, no dia 2 de junho. Ele estava sob os cuidados de Sari, enquanto a mãe dele, a empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, levava o cachorro da família dos patrões para passear. O menino acompanhava a mãe no trabalho, pois a creche em que ele ficava está com as atividades suspensas devido à pandemia do novo coronavírus.

O inquérito policial foi remetido no final da tarde de hoje ao MPE (Ministério Público Estadual) e aos advogados das partes envolvidas. O órgão tem 30 dias para analisar o documento e decidir se fará denúncia ou não do caso à Justiça.

O inquérito tem 452 páginas, com 24 depoimentos colhidos de 21 pessoas envolvidas, além de dez DVDs com imagens colhidas nas investigações. A equipe foi composta por sete policiais civis, coordenada pelo delegado Ramon Teixeira, além de dez profissionais do Instituto Criminalística de Pernambuco, coordenada pelo perito André Amaral.

Defesa de Sari se manifesta

Em nota, a defesa de Sari Corte Real afirma que a conclusão da Polícia Civil, apesar de "elaborada por delegado de indiscutível competência, conflita com os elementos reunidos no inquérito policial".

"A conclusão da autoridade policial passará, ainda, pelo crivo do Ministério Público, que pode acatar esse posicionamento, entender por enquadramento diverso, requerer o arquivamento do Inquérito Policial ou, ainda, caso persistam dúvidas, solicitar a realização de novas diligências. Já realizados os devidos esclarecimentos fáticos nos autos do inquérito policial, ainda não é, tecnicamente, o momento de defesa, mas sim de acompanhamento, devendo-se aguardar, com prudência e serenidade, o posicionamento do Ministério Público", diz o texto.

A nota é assinada pelos advogados Célio Avelino de Andrade, Camila Andrade dos Santos, Leonardo Quercia Barros e Pedro Avelino de Andrade e foi enviado ao UOL pelo prefeito de Tamandaré (PE), Sérgio Hacker (PSB), que é marido de Sari Corte Real.

O advogado Pedro Avelino afirmou ontem para a TV Globo que sua cliente disse ao delegado do caso ter "simulado" apertar o botão do elevador utilizado pelo menino.

"Optou-se em desproteger", diz a mãe de Miguel

Em nota por meio do advogado Rodrigo Almendra, Mirtes de Souza fez um desabafo sobre a morte de Miguel e afirmou que "a princesa encastelada nas torres gêmeas, não tarda, prestará contas à Themis Pernambucana", se referindo ao condomínio de luxo em que Sari mora que é conhecido como "torres gêmeas", por ter suas edificações altas e semelhantes.

"A diferença entre o acidente e o desamparo é a escolha. Optou-se em desproteger. Miguel foi largado no elevador sem ninguém à sua espera. Pareceres jurídicos caros não apagam o passado, não limpam consciência e não desfazem os fatos", diz o texto de Mirtes.

Empregada doméstica era servidora da prefeitura

Mirtes trabalhava como empregada doméstica havia quatro anos para o prefeito de Tamandaré e para a esposa dele. Após a morte do menino, o prefeito passou a ser investigado pelo MPE (Ministério Público Estadual) e pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) porque tinha a empregada doméstica como servidora de cargo comissionado, na prefeitura.

A avó de Miguel, Marta Maria Santana Alves, que também era empregada doméstica do prefeito, e uma mulher que tomava conta da casa do prefeito em Tamandaré também aparecem na lista de cargos comissionados no município.

O MPE ajuizou hoje uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa e pediu a cassação do prefeito. A ação pede o bloqueio de bens de Hacker no valor de R$ 580.095,60, o equivalente ao valor da multa, que é de três vezes o valor do dano ao erário.

A prefeitura de Tamandaré informou que os gastos no valor de R$ 193.365,20 somados dos salários pagos às três empregadas domésticas dele foram devolvidos pelo prefeito e que não há lesão ao erário.

Prisão e depoimento de Sari

Sari chegou a ser presa em flagrante no dia seguinte à morte do menino, pelo crime de homicídio culposo (quando não há intenção de matar), depois que a polícia analisou imagens do condomínio — no vídeo, ela aparece deixando Miguel sozinho dentro do elevador de serviço do prédio. Ela pagou fiança no valor de R$ 20 mil e foi liberada para responder pelo crime em liberdade.

Ontem, a delegacia de Santo Amaro abriu duas horas mais cedo do que o expediente normal para colher novo depoimento de Sari. A mãe de Miguel, ao saber do depoimento, foi até o local segurando uma foto do filho. Ela estava revoltada com a situação.

Após o término do depoimento de Sari, Mirtes pôde entrar na delegacia e ficou por cerca de uma hora em uma conversa com a ex-patroa. Ao sair da delegacia, disse que Sari era "fria e não estava com nenhum remorso" pela morte de Miguel.

Uma multidão se aglomerou na frente da delegacia, e Sari saiu em um carro da polícia sob gritos de "assassina". Pessoas revoltadas com o caso chegaram a bater com as mãos no veículo.