"Queria estar brincando com ela", diz pai de menina morta por bala perdida
A família das primas Rebecca Beatriz dos Santos e Emily Victória dos Santos, de 7 e 4 anos, mortas ao serem atingidas por tiros enquanto brincavam na frente de casa em uma comunidade de Duque de Caxias (RJ), na noite de 5 de dezembro, revela detalhes da tragédia e de uma luta por justiça.
Maycon Douglas Moreira Santos, pai da menina Rebecca, falou ao UOL sobre a saudade que sente dela. "Não queria ganhar indenização ou aparecer na televisão. Só queria estar brincando com a minha filha."
A Polícia Civil confirmou hoje que o projétil fragmentado encontrado no corpo de Rebecca era de fuzil. A bala será encaminhada a peritos, para verificar se partiu de um dos cinco fuzis apreendidos com os policiais militares do 15º BPM (Duque de Caxias) que estiveram no local do crime. Em nota, a PM diz que eles não fizeram disparos. Entretanto, a versão é contestada por parentes das meninas atingidas e por moradores.
Tragédias familiares
Maycon trabalhou desde criança, vendendo doces na rua ao lado do irmão, quatro anos mais velho. Depois, fez "bicos" como auxiliar de pedreiro, vendedor ambulante e em uma empresa que vendia gelo. Mas foi aos 18, quando Rebecca nasceu, que sentiu o peso da responsabilidade sobre seus ombros.
Naquela época, teve o primeiro emprego em carteira assinada, para atuar em obras em calçadas, e construiu um "puxadinho" nos fundos de um terreno da família.
Há seis anos, sua família sentiu um primeiro baque, quando o sobrinho morreu devido a complicações com apenas 15 dias de vida. Dois anos depois, seu irmão faleceu em decorrência de um mal súbito.
A relação com a filha sempre o motivou para seguir em frente. O pai e a mãe de Rebecca se separaram. A menina foi morar com a mãe em Bangu, zona oeste do Rio. Mas retornou neste ano para Duque de Caxias, assim como a mãe, que passou a viver por lá para que a família permanecesse unida.
Aos 25 anos, Maycon vivia seu melhor momento profissional. Há dez meses, foi contratado para trabalhar como ajudante de carga e descarga na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), uma das maiores empresas da região. Passou a ter plano de saúde familiar e planejava matricular a filha em um colégio particular em 2021.
Era a chance de dar um sustento para a minha filha. Eu não tenho estudo. Então, é o tipo de emprego para a vida toda.
Maycon Douglas Santos, pai de Rebecca
Pai acusa PM de racismo
Na manhã de 5 de dezembro, Maycon saiu cedo de casa, pegou o ônibus da empresa e chegou ao trabalho, onde recebe pouco mais do que um salário mínimo.
Com um colega, carrega um caminhão com botijões de gás por 20 minutos. Depois, descansa pelos 20 minutos seguintes. Em seguida, volta ao trabalho para descarregar outro caminhão.
Quando pegou o ônibus de volta para casa, fazia planos de levar a namorada e a filha para uma pizzaria. No meio do caminho, seus pensamentos foram interrompidos por uma mensagem pelo WhatsApp. "Vem pra cá agora! A sua filha acabou de ser baleada", escreveu a namorada.
Eu me levantei e comecei a chorar. Foi o pior momento da minha vida.
Maycon Douglas Santos, pai de Rebecca
Correu para casa. Mas Rebecca e Emily já tinham sido levadas à UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) da região. Só encontrou parentes e moradores chorando. E viu o sangue no chão.
Pouco depois de chegar à UPA, Maycon recebeu a notícia de que as duas garotas já tinham chegado mortas à unidade.
Mas não pôde nem chorar sem antes ser abordado por um homem de farda. Disse ter sido questionado como se fosse suspeito só por causa da cor da sua pele.
Ele perguntou: 'Você é o pai?'. Depois, perguntou se eu tinha passagem [antecedentes criminais]. Falei que não, nunca tive. Sempre trabalhei. Eles [policiais militares] não podem me ver que já me dão uma enquadrada [abordagem policial], só pra perguntar onde moro. Já sofri tanto com o racismo que me acostumei. Não me pouparam nem depois da morte da minha filha.
Maycon Douglas Santos, pai de Rebecca
Procurada para comentar o caso, a PM não se posicionou.
Família pede por justiça e acusa PMs
Com uma camisa exibindo o rosto das meninas, Ana Lúcia Silva Moreira, mãe de Emily, relembra os momentos que antecederam a tragédia. Ela preparava uma porção de batatas fritas em casa, quando se assustou com o barulho de tiros. "Saí para a rua e vi a minha filha morta no chão. Eu só peço justiça. E tô lutando por isso", disse.
Avó de Rebecca e tia de Emily, Lídia da Silva Moreira Santos disse ter ouvido uma rajada de disparos logo após desembarcar de um ônibus. Em seguida, contou ter visto policiais militares em uma viatura saindo da rua onde mora.
Os policiais atiraram e foram embora. O sentimento é de revolta, porque eles são preparados para atirar e para proteger as pessoas. A rua estava cheia de crianças.
Lídia da Silva Moreira Santos, avó de Rebecca e tia de Emily
Ela conta ter encontrado as duas crianças. Emily estava morta na frente do portão. Mais à frente, viu Rebecca. "Ela deu o último suspiro no meu colo."
A família prestou depoimento na terça-feira (8) na DHBF (Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense).
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