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Jacarezinho: Após laudos, entidades pedem transparência e perícia autônoma

7.mai.2021 - Após operação policial que deixou ao menos 28 mortes, marcas de tiros permanecem nas paredes dos becos da favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio - Herculano Barreto Filho/UOL
7.mai.2021 - Após operação policial que deixou ao menos 28 mortes, marcas de tiros permanecem nas paredes dos becos da favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

23/06/2021 17h14

Após a conclusão dos laudos de necropsia no IML nos corpos dos 27 mortos na operação policial na favela do Jacarezinho, a mais letal da história do Rio de Janeiro, entidades exigem transparência, perícia independente e o cumprimento da ADPF 365, que proíbe operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia.

Os exames apontam que as vítimas que perderam a vida durante a ação ocorrida no dia 6 de maio foram atingidas por 73 tiros — quatro dos mortos foram baleados pelas costas. Uma outra vítima foi ferida por um disparo à queima-roupa, a uma distância de, no máximo 70, cm. Além dos 27 mortos pela Polícia Civil, a operação também resultou na morte do agente André Leonardo de Mello Frias.

O advogado Daniel Sarmento, que representa o PSB em uma ação conjunta com a Defensoria Pública, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e outros órgãos da sociedade civil no STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a letalidade policial no estado do Rio, reitera a importância de um posicionamento rápido do Supremo.

Em petição enviada hoje ao ministro Edson Fachin, Sarmento pede a suspensão do sigilo de cinco anos em ações da Polícia Civil, a abertura de uma investigação do MPF (Ministério Público Federal) sobre o descumprimento das decisões do Supremo pela Polícia Civil e o acesso às medidas de controle do MP-RJ (Ministério Público do Rio) sobre as operações policiais.

A situação no Rio está se agravando. Há um descumprimento generalizado da decisão do Supremo sobre operações policiais. E uma tentativa de impedir que a sociedade cumpra o seu papel de fiscalizar a atuação dos órgãos de Estado, especialmente em denúncias de violações de direitos humanos."
Daniel Sarmento, advogado

"As pessoas têm o direito de saber o que aconteceu em operações policiais nas favelas, especialmente no Jacarezinho por ter indícios de execuções", complementou.

O pesquisador Daniel Hirata, que coordena um grupo de estudos sobre violência na UFF (Universidade Federal Fluminense), questiona a falta de transparência nas investigações.

"Há denúncias de moradores de execuções e desfazimento da cena do crime. Parece que as autoridades não querem prestar conta sobre o que aconteceu no Jacarezinho de maneira transparente. É necessário que a sociedade entenda quais foram as circunstâncias de uma ação policial com tantas mortes", argumenta.

'Socorro no local e perícia independente'

O perito Leandro Cerqueira Lima, presidente da Associação Brasileira de Criminalística, responsabiliza a cúpula da Polícia Civil do Rio pela conduta dos agentes envolvidos na operação do Jacarezinho. Segundo ele, deve partir da instituição uma ordem de preservação da cena após o confronto para que as vítimas sejam socorridas no local.

A pedido do UOL, o especialista analisou os laudos cadavéricos dos mortos na operação policial, mas não viu indícios suficientes que indicassem execução ou fraude processual, já que houve desfazimento da cena do crime. Segundo ele, as investigações só poderão avançar com uma reconstituição do crime com a participação dos agentes envolvidos na operação.

É preciso ter uma orientação de cima para baixo, que parta da cúpula da Polícia Civil. Em qualquer situação de emergência, a orientação é de não remover a vítima, porque pode piorar a situação dela. Com isso, também fica garantida a preservação do local. Os laudos são inconclusivos justamente porque não houve preservação da cena do crime."
Leandro Cerqueira Lima, perito criminal

Ele também entende que o trabalho da perícia deve ser independente — no Rio, os peritos da Delegacia de Homicídios da Capital, que investiga o caso, são subordinados à Polícia Civil.

"Só será possível ter a garantia de uma visão diferente em relação à análise da própria polícia se houver uma perícia autônoma. O problema é que os peritos são subordinados ao delegado no Rio. Aí, fica mais difícil garantir a isenção da polícia científica para que haja uma visão externa, garantindo a elucidação dos fatos", argumentou.

MPF pede novo modelo de investigação

Um grupo formado pelo Ministério Público Federal (MPF) e outras dez instituições do sistema judicial e da sociedade civil enviou hoje ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) uma nota técnica sugerindo um novo modelo de investigação nos caso de morte decorrente de intervenção policial.

O grupo propõe que seja feita uma investigação independente conduzida pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio).

"O modelo atual é ineficaz, o que pode ser comprovado pelas inúmeras chacinas perpetradas no Brasil com participação de forças policiais", diz um dos trechos enviados pelo grupo. "O agente policial que for realizar uma diligência terá a certeza de que, se perpetrar um crime de homicídio, tortura ou crime de natureza sexual, será investigado de forma independente por órgão do Ministério Público", completa.