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'Na carta veio seu nome': ordens de chefe do CV preso chegavam por WhatsApp

Imagens flagram entregas de bilhetes a chefões do CV em presídio federal

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

26/06/2021 04h00

Fabiano Atanásio da Silva, o FB, chefão do CV (Comando Vermelho), repassava ordens ao tráfico em sua área de domínio mesmo atrás das grades. Segundo a Polícia Federal, uma intermediária, Marcela Vasconcellos Souza Lima, era a responsável por passar as mensagens do criminoso captadas por um policial penal que as recolhia no Penitenciária Federal de Catanduvas (PR).

"Na carta veio seu nome", disse Marcela Vasconcellos Souza Lima em conversa — obtida com exclusividade pelo UOL — entre ela e um traficante pelo WhatsApp, revelando a orientação de FB. Ela é acusada de ser responsável pelo contato direto com o chefão e contava com o auxílio de recados encaminhados ao policial penal Docimar Pinheiro, que envolviam até pagamentos de despesas de uma mulher casada com FB na época.

A rede de comunicação permitia a FB, assim, passar ordens como a que dizia para que os traficantes da Penha, zona norte do Rio, parassem de cobrar propina do comércio local, segundo apontou investigação sobre um esquema de envio de bilhetes para a penitenciária federal de Catanduvas (PR).

Marcela conversa com um homem identificado apenas como "Branquinho", possivelmente gerente de um dos pontos de venda de drogas na área de domínio de FB. A data da troca de mensagens não é revelada pelo relatório sigiloso da PF. A grafia original das mensagens foi mantida.

"Coé [sic] chefe. Me chamaram pra ver aqueles trailer [comerciantes informais] lá do Vilage novamente. O que tu me diz dessa parada?", pergunta.

Na carta veio seu nome. Falando dessa forma: 'Fala pra esse Branquinho parar de cobrar os trailer [sic]'
Marcela em conversa pelo WhatsApp revelando ordem de FB, segundo a PF

Ordem de 'donos da firma' e referência à milícia

Em seguida, ela conversa com outro homem identificado apenas como 2N, apontado pela investigação como um traficante na Penha, zona norte do Rio e área de domínio de FB. Ele se refere aos chefões do CV como "donos da firma", reforçando a ordem.

"O Branquinho me falou q a tia do Osama pediu a ele pra cobrar as barracas lá de baixo [sic] sendo q ele já viu q os donos da firma não quer [sic]".

"Falei pro Branquinho que não iria me meter. Bagulho dá pra entender nada. Vem um papo. Depois vem outro. Depois nós que fica [sic] mal", responde Marcela.

O traficante, então, compara a cobrança aos comerciantes com a ação de milicianos. "Já tá difícil e ainda tem q pagar agora tipo melicia [sic]".

A PF deflagrou no dia 15 deste mês uma operação para cumprir os mandados de prisão preventiva decretados pela Justiça Federal dos 24 envolvidos no esquema, suspeitos de participação em crimes como corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico.

Prestação de contas e cartas ao chefão

Segundo a PF, Marcela era a responsável pelos repasses de dinheiro oriundo do tráfico para Mariana Né, esposa de FB na época. Em conversa pelo WhatsApp, cita Leandro Pinheiro de Oliveira como o responsável pelo pagamento de uma passagem aérea só de ida.

"Aí pedi [sic] por favor pro Leandro depositar pra mim", solicita Mariana. "Tá legal. Vou pedir pra ele depositar", confirma Marcela. Em seguida, Marcela envia o comprovante de um depósito de R$ 1.500.

Posteriormente, Marcela pede foto da passagem para fazer a prestação de contas do tráfico, segundo a PF. "Depois manda pra mim a foto da passagem que ele vai depositar, pq ele escaneia pra presta [sic] conta com ele lá todo mês."

Tiros, morte em favela do Rio e carta a FB

A investigação ainda revela conversas sobre tiros em uma favela do Rio de Janeiro, morte de um "soldado do tráfico" com menos de 18 anos e uma carta escrita por Marcela endereçada a FB, onde ela diz "orar" toda semana por ele, revelando o grau de intimidade entre os dois.

Após uma conversa interceptada pela Justiça entre Marcela e Leandro, a PF teve acesso a um áudio no qual um homem apontado pela investigação como gerente de um ponto de venda de drogas diz ter dado tiros. Ele narra o que parece ter sido um confronto no local, que teria causado a morte de um adolescente envolvido com a facção.

É... Os caras passaram a parte do morro. Rapaziada tava por aqui pelas torres, entendeu? Tranquilo. Graças a Deus. Só um menor mesmo [morreu no confronto]. Mas aí, dei tiro pra tia ver lá (...). Vamos ver, né?

O áudio foi reproduzido por Leandro para Marcela e foi possível ouvi-lo "em som ambiente", segundo descreve a PF no inquérito, que não revela a data em que ocorreu a conversa.

A PF identificou um e-mail escrito por Marcela e destinado a FB. Não é possível identificar a data do texto ou se o conteúdo foi encaminhado em um dos bilhetes levados pelo agente penal Docimar Pinheiro ao presídio federal de Catanduvas (PR).

"Meu cumpadre [sic] espero que quando vc receber este telegrama vc se encontre com saúde e paz no coração. Sei que o que vc tá passando não é fácil, é muito difícil, se decepcionar com uma pessoa que você era capaz de dar a vida por ela. Sei que vc sente muita falta [cita o nome dos filhos de FB]. E para completar está nesse lugar horrível, se sentindo impotente de resolver suas coisas", escreveu, no começo do texto.

"Uma vez por semana vou sempre aqui numa igreja onde moro e estou sempre orando por você", continua, em um dos trechos da carta endereçada ao traficante.

O que dizem os investigados

Questionada sobre o teor das acusações, a defesa do traficante Fabiano Atanásio da Silva, o FB, não se manifestou, sob a alegação de não ter tido acesso ao conteúdo da investigação.

Procurada, a defesa do policial penal Docimar Pinheiro não respondeu as mensagens da reportagem. Os representantes de Marcela Souza Lima, Leandro Pinheiro de Oliveira e Mariana Né não foram localizados. Dos acusados, Leandro e Marcela estão foragidos.