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Petrópolis sabia de 15 mil imóveis em risco na área da tragédia desde 2017

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

17/02/2022 04h00

A prefeitura de Petrópolis tem em mãos desde maio de 2017 um estudo que identificou 15.240 moradias com risco alto ou muito alto de destruição por consequência de chuvas no 1º Distrito da cidade, o mais castigado pelo temporal desta terça (15), que deixou mais de uma centena de mortos e ao menos 35 desaparecidos.

Choveu em apenas três horas um volume maior que o esperado para todo o mês de fevereiro, provocando deslizamentos de encostas, alagamentos e fortes correntezas de lama com força suficiente para arrastar carros pelas ruas em diversos pontos da cidade.

O levantamento, chamado de Plano Municipal de Redução de Riscos, foi realizado pela empresa Theopratique Obras e Serviços de Engenharia e Arquitetura, contratada pelo município por R$ 400 mil, com recursos federais. Ao todo, nos cinco distritos, foram mapeados 27.704 imóveis considerados de risco alto ou muito alto, que ocupavam à época 10% da área urbanizada de Petrópolis.

O plano tem um alto nível de detalhamento, especificando inclusive os recursos que teriam de ser investidos em cada área, em ações como reassentamento, saneamento básico e infraestrutura.

Trecho do Plano Municipal de Redução de Riscos que trata da região conhecida como Oswero Vilaça - Reprodução - Reprodução
Trecho do Plano Municipal de Redução de Riscos que trata da região conhecida como Oswero Vilaça
Imagem: Reprodução

Entre as 102 regiões mapeadas no 1º Distrito, aquela que aparece com mais casas em perigo é justamente a identificada pelo estudo como Oswero Vilaça, onde está o Morro da Oficina, local crítico na tragédia.

O plano apontou 729 imóveis da área sob ameaça em caso de chuvas, em seis níveis de risco. No recorte do nível considerado mais crítico, eram 240 imóveis, quantidade menor apenas do que a região conhecida como Vai Quem Quer, com 290.

  • Veja a cobertura sobre a tragédia em Petrópolis, entrevista com ministro do Desenvolvimento Regional, análises de Josias de Souza e mais notícias no UOL News:

Para mitigar os riscos na Oswero Vilaça, foi calculado um orçamento de R$ 35 milhões. A maior parte dos recursos, segundo o estudo, deveria ser aplicada no reassentamento de moradores (R$ 13,1 milhões).

Locais afetados por temporal em Petrópolis - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

O UOL procurou a prefeitura de Petrópolis para saber quais foram as ações tomadas após a identificação das casas em risco, mas não houve retorno.

Somente no Morro da Oficina, ao menos 80 casas foram atingidas pelo deslizamento que ocorreu nesta terça. Ainda não se sabe quantas pessoas foram soterradas. Moradores se dividiram em grupos e viraram a madrugada para escavar a lama em busca de vizinhos e familiares

Morro da Oficina concentrou vítimas em nova tragédia serrana - Google Earth - Google Earth
Imagem: Google Earth

O engenheiro Luis Carlos Dias de Oliveira, da Theopratique, afirma que, numa primeira versão do plano, feita em 2007, dez anos antes, apenas no 1º Distrito, a região onde fica o morro já era considerada a mais crítica:

"É um vale que é uma das portas de entrada de chuvas e é muito adensado. Numa chuva tão intensa como a de terça, é como se você concentrasse um jato de uma mangueira num monte de terra. Há uma corrida de massa muito rápida, que vai levando tudo o que encontra pela frente".

Para Dias de Oliveira, para evitar outras tragédias como a de agora, é preciso investimento em planejamento urbano, com a implementação de novas alternativas habitacionais.

"Até é possível fazer obras de contenção ali naquela região, mas teria que ser algo monumental para evitar o que aconteceu. A cidade precisa de mudanças estruturais de habitação e controle urbano", conclui.

Um estudo complementar ao plano, de reflexões e proposições, destacou a falta de ações preventivas como uma das principais causas para tragédias que se repetem de tempos em tempos na cidade:

"Outro fator contribuinte para uma certa leniência dos administradores públicos no trato do assunto é o caráter cíclico de ocorrência de catástrofes de maior severidade (1966/67, 1988, 2004 e 2011). Ou seja, após a ocorrência de uma catástrofe, vem a comoção, os recursos afluem para as obras de reconstrução, equipes são montadas, investimentos em Proteção e Defesa Civil são realizados. Entretanto, poucos anos depois, os esforços declinam até a estagnação".

Antonio José Teixeira Guerra, professor do Departamento de Geografia da UFRJ, que acompanha os efeitos das chuvas em Petrópolis desde a década de 1990, também destaca que não há um trabalho estrutural ao longo dos anos que possa evitar as tragédias em sequência. "A situação não muda. Na verdade, só piora. Só não temos uma tragédia todo ano porque não há chuvas volumosas todos os anos", afirma.

Para Guerra, a prevenção deve começar num trabalho integrado entre secretarias dentro do município e contar com o apoio dos governos estadual e federal em questões financeiras, estratégicas e de logística.

"Tudo começa na ponta, com o município, que precisa fiscalizar as construções irregulares. Numa chuva como a de agora seria muito difícil não termos mortes, mas seria possível minimizar a quantidade de vítimas se houvesse um bom trabalho de planejamento. Não dá para ocupar o território de forma desordenada e esperar que o meio ambiente não dê a sua resposta", diz o professor.