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Sem metas, plano do RJ contra letalidade policial não atende decisão do STF

19.jan.2022 - PMs em operação no Jacarezinho, na zona norte do Rio - José Lucena/Estadão Conteúdo
19.jan.2022 - PMs em operação no Jacarezinho, na zona norte do Rio Imagem: José Lucena/Estadão Conteúdo

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

25/03/2022 04h00

Em decreto de 24 artigos, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), definiu o novo plano contra a letalidade policial no estado, em resposta a uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) de fevereiro deste ano. O plano foi publicado na quarta-feira (23) no Diário Oficial do Rio.

A proposta foi considerada "genérica" pelo PSB —autor da ação que levou o STF a restringir operações durante a pandemia— e não abrange pedidos aprovados por unanimidade pelos ministros da Suprema Corte, como definição de metas em números para redução de mortes por policiais e participação da sociedade civil. Se considerado incompleto, há chances de o STF determinar que o governo fluminense refaça o plano.

A falta de definição de metas objetivas para redução da letalidade policial é a principal crítica de especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL. De acordo com o ISP (Instituto de Segurança Pública), do governo do Rio de Janeiro, 1.356 pessoas foram mortas por agentes de segurança em 2021, uma alta de 9% em relação às 1.245 mortes de 2020.

O advogado Daniel Sarmento, que representa o PSB na chamada ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, diz que a documento "sequer pode ser considerado um plano".

"O texto traz platitudes, repetindo decisões, mas não expõe metas e ainda diz que vai ser criado um novo órgão, sem participação da sociedade civil", afirma Sarmento.

Sem contribuições do Ministério Público, Defensoria Pública e OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil do RJ), o plano também não foi submetido a audiência pública com integrantes da sociedade civil, conforme petição do PSB ao Supremo.

Em nota, o governo diz que "se antecipou à decisão" do STF com "políticas públicas de transparência", citando a contratação de câmeras ? apesar de não ter cronograma para a implementação citada no plano ? e drones. "São licitações de valores elevados que demandam meses para conclusão", diz a nota.

"[As metas] serão definidas semestralmente e atualizadas para o próximo semestre, conforme o resultado atingido - a exemplo do que já ocorre com o Sistema Integrado de Metas", finaliza.

Como é o plano apresentado pelo governo do RJ

O plano de Castro é dividido em três eixos: recursos humanos, recursos materiais e procedimentos administrativos/operacionais. Em cada um desses tópicos, foram estabelecidas medidas a serem tomadas. Também não define medidas práticas para alcançar esse objetivo, segundo Sarmento

No eixo de recursos materiais da Polícia Militar, por exemplo, o plano diz que haverá investimentos em equipamentos que "protejam a integridade policial e diminuam a reação com força letal", mas não especifica quais serão esses materiais e em qual prazo poderão ser comprados.

A petição no STF também exige um novo protocolo de abordagem policial para reduzir a prática de "filtragem racial" —pesquisa mostra que homens negros são os principais alvos desse tipo de abordagem. Mas o plano apenas expõe que haverá uma "padronização" nas ações de abordagem, sem detalhar como serão esses procedimentos.

O documento não traz nenhuma diretriz quanto a operações específicas da Polícia Civil, dizendo apenas que está "em fase de discussão e renovação das normativas internas com relação à realização de operações policiais em áreas sensíveis".

Chama a atenção o uso do termo "inocentes" ao se referir à letalidade policial. Castro diz que as polícias deverão reduzir "a vitimização de inocentes". A petição e a decisão do STF não fazem, contudo, essa distinção.

Não há pena de morte no Brasil. A redução é de letalidade geral, não apenas de inocentes, que não deve acontecer, claro, mas também de mais ninguém."
Daniel Sarmento, advogado do PSB

Ele explica que agora o plano será apreciado pelo STF e, pelos trâmites, o autor da ação poderá ser ouvido para questionar e sugerir melhorias. "O que o governo apresenta não vale automaticamente. Será avaliado se satisfaz o que foi decidido. Caso não, pode ser pedido um novo plano."

'Plano não atende expectativas', diz sociólogo

Daniel Hirata, sociólogo e coordenador do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense), avalia que o plano ficou muito aquém do esperado por pesquisadores em segurança pública.

"Não dá para imaginar que esse plano irá reduzir a letalidade policial no Rio. Não existem metas claras, nem um diagnóstico preciso do que leva a essa alta letalidade policial. Não tem métrica a ser utilizada para pensar atividade policial e voltada para menor atuação repressiva", diz Hirata.

Ele destaca que pesquisadores e grupos de estudo têm recolhido evidências nas últimas décadas que poderiam embasar um plano como esse, mas esses especialistas não foram ouvidos.

"É triste porque esse plano era muito aguardado e só saiu por decisão judicial. Não foi espontâneo por parte do governo do estado, e ainda entregam uma coisa vaga, protocolar e certamente nula."