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Ex-militar da Marinha é um dos mortos em chacina e deixa bebê de 2 meses

Ex-militar da Marinha Douglas Costa Inácio Donato é um dos mortos em operação policial no Complexo da Penha - Arquivo Pessoal
Ex-militar da Marinha Douglas Costa Inácio Donato é um dos mortos em operação policial no Complexo da Penha Imagem: Arquivo Pessoal

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

25/05/2022 14h00Atualizada em 27/05/2022 22h10

Um ex-militar da Marinha, que pertenceu ao quadro temporário da instituição, segundo a família, está entre os 25 mortos da Vila Cruzeiro, comunidade da zona norte do Rio, que foi alvo de uma ação da PM em conjunto com a PF e PRF na madrugada de ontem.

Douglas Costa Inácio Donato, 23, trabalhava atualmente em uma loja de calçados, no bairro da Penha, também na zona norte. Ele era pai de um bebê de dois meses. O nome dele não consta na relação dos 10 identificados pela Polícia Militar.

De acordo com o pai dele, o feirante Luis Cláudio Inácio Donato, 44, o rapaz tinha saído de uma festa com amigos de infância quando foi baleado. "Ele foi levar um amigo de moto na parte alta e na volta aconteceu isso. Todo mundo gostava dele. Era um bom filho".

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Imagem: Folhapress

Ainda de acordo com a família, o jovem fazia um curso de vigilante. As apostilas de estudo estavam no baú na moto que foi arrombado, como conta o padrasto Augusto César Santos de Araújo, 47, chefe de barman.

"Abriram o baú, as apostilas do curso de vigilante sumiram, trocaram a roupa dele e colocaram uma blusa da polícia. Trocaram a blusa. Ele ainda foi levado para a mata. Ele nunca entraria lá [na mata]", contou ao UOL.

O padrasto disse ainda que houve uma emboscada seguida de massacre na região.

"Foi um massacre já calculado, só para fazer ruindade, eles foram para matar. Os policiais já estavam na mata, eles encurralaram todos e dispararam de cima [da mata] para baixo".

O UOL procurou a Marinha e Polícia Militar, mas até o momento não houve retorno.

Familiares das vítimas estão no IML (Instituto Médico Legal), no Centro do Rio, para concluir a liberação dos corpos.

Em coletiva de imprensa na tarde de ontem, a PM disse que monitorava um grupo de 50 suspeitos que sairiam da Vila Cruzeiro em direção à Rocinha, comunidade da zona sul do Rio. De acordo com a corporação, o encontro aconteceria para alguma prática criminosa.

Vítimas atingidas em casa e escolas fechadas

Nas redes sociais, moradores da Vila Cruzeiro relataram tiroteios na região desde por volta das 4h (horário de Brasília) de ontem. Quase 20 escolas municipais situadas na comunidade não abriram as portas. Durante o dia, houve mais disparos.

Entre os mortos está Gabrielle Ferreira da Cunha, 41 anos, que foi atingida por um tiro em sua casa, na Chatuba, favela vizinha à Vila Cruzeiro. Natan Werneck, 21, também foi baleado em meio à operação —ele chegou a pedir socorro por telefone após ser ferido, mas só foi resgatado seis horas depois, segundo advogados que chegaram a levá-lo a um hospital. Ele morreu a caminho da unidade.

O ouvidor da Defensoria Pública do RJ, Guilherme Pimentel, criticou a operação, dizendo que ações do gênero "jamais seriam toleradas em bairros nobres". Ainda ontem, o MPF (Ministério Público Federal) abriu um procedimento investigatório criminal para apurar condutas e possíveis violações cometidas por policiais na ação na Vila Cruzeiro.

O Ministério Público também abriu procedimento para investigar as "circunstâncias" das mortes e fixou prazo de dez dias para o comando do Bope enviar "procedimento de averiguação sumária dos fatos ocorridos durante a operação". O MP também disse que a ação policial foi autorizada após movimentação de criminosos do CV (Comando Vermelho) da Vila Cruzeiro para a Rocinha.

Já a Polícia Militar disse que constatou aumento de lideranças criminosas de outros estados em comunidades do Rio devido decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que limita as operações policiais em comunidades no estado, segundo o coronel Luiz Henrique Marinho. A PM salientou ainda que a ação policial vinha sendo planejada há meses e ocorreu para impedir a movimentação de um grupo de criminosos para a Rocinha, comunidade de São Conrado, zona sul da cidade.

A operação

A ação foi deflagrada pela Polícia Militar do RJ sob a justificativa de impedir o movimento de criminosos ligados ao grupo criminoso CV (Comando Vermelho) da Vila Cruzeiro para a Rocinha, na zona sul do Rio.

"Nesta madrugada, identificamos grande movimentação de elementos que controlam essa e outras localidades. Provavelmente essa movimentação seria para invasão a outra comunidade", disse coronel Luiz Henrique Marinho, em entrevista coletiva realizada ontem.

No entanto, a ação, embora planejada há meses, ocorreu em caráter "emergencial" e "não tinha como objetivo cumprir mandados de prisão", segundo o comandante do Bope, Uirá do Nascimento Ferreira.

A polícia estimou que cerca de 50 criminosos iriam se deslocar da Vila Cruzeiro para a Rocinha. Entre eles, estavam lideranças de outros estados, que têm migrado para o Rio nos últimos meses.

Segundo a PM, há um aumento no número de lideranças criminosas fora do estado em comunidades cariocas como decorrência de uma decisão judicial que limita as operações policiais no RJ, proferida pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Sete fuzis, quatro pistolas, dez motocicletas e seis carros foram apreendidos no âmbito da operação, de acordo com a Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Em um ano de gestão, o governo Cláudio Castro (PL) no RJ já acumula 182 mortes em 40 chacinas, segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado e do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), ligado à UFF (Universidade Federal Fluminense).

O massacre da Vila Cruzeiro está entre os três mais letais da história do Rio de Janeiro. No ano passado, uma operação no Jacarezinho deixou 28 mortos. Em janeiro de 1998, em Duque de Caxias, foram 23 óbitos.