Foz, outras duas mortes e agressões: ONU monitora 'ódio bolsonarista'
O assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, morto a tiros na noite de 9 de julho pelo policial penal Jorge Guaranho enquanto comemorava o próprio aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu (PR), motivou o encaminhamento de uma denúncia à ONU com relatos de violência política motivada pelo "ódio bolsonarista" nos últimos quatro anos.
O documento, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, enumera uma série de 13 ataques atribuídos a bolsonaristas envolvidos em brigas políticas, motivação apontada pelo Ministério Público do Paraná para denunciar Guaranho por homicídio qualificado. Entre esses casos, outros dois assassinatos. O teor da denúncia foi revelado por Jamil Chade, colunista do UOL.
O deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), que assinou o documento, diz ver o assassinato de Marcelo Arruda como "o ápice de uma escalada de violência" protagonizada por eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Espero que essa tragédia tenha servido de alerta para as autoridades. Mas o maior receio é que casos assim possam voltar a acontecer", disse em entrevista ao UOL.
Tiago Lisboa Mendonça, promotor do Ministério Público do Paraná responsável pela denúncia contra Guaranho pelo crime, reconhece a relação entre o crime e um contexto de violência política no Brasil.
"É óbvio que a gente não pode desassociar todo esse contexto. Mas a análise do MP se limita ao caso específico. E salta aos olhos que houve uma motivação fútil em razão de uma divergência política, que consta expressamente na denúncia", pondera.
Eleições podem 'acirrar ânimos'
O parlamentar observa que a proximidade com as eleições de 2022, que ocorrerão daqui a pouco mais de dois meses, pode acirrar os ânimos.
As liberdades de manifestação política e de expressão estão sob risco. O nosso objetivo é que essas situações sejam objeto de atenção por parte de organismos internacionais que fazem esse tipo de monitoramento. O efeito devastador do discurso de ódio é estimular esse tipo de conduta"
Orlando Silva, deputado federal
No fim de junho, Michelle Bachelet, alta comissária da ONU, já havia manifestado preocupação com o risco de violência no processo eleitoral no Brasil.
"Em outubro vocês têm eleições. E peço a todas as partes do mundo que as eleições sejam justas, transparentes e que as pessoas possam participar livremente. Será um momento democrático muito importante, e não deve haver interferência de nenhuma parte para que o processo democrático possa ser atingido".
Outros assassinatos por 'ódio bolsonarista'
O primeiro assassinato ocorreu na madrugada de 8 de outubro de 2018, após o fim do primeiro turno do pleito em que foi eleito presidente. Após abrir voto no PT, o mestre de capoeira Moa do Katendê foi morto a facadas em um bar de Salvador (BA).
Preso em flagrante no local, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana foi condenado a 22 anos e 1 mês de prisão em regime fechado por homicídio duplamente qualificado contra Moa por motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima. A condenação ainda inclui uma tentativa de homicídio qualificado contra o primo do capoeirista, que estava com ele no momento do crime.
Em novembro de 2019, Antônio Carlos Rodrigues Furtado morreu após ser agredido por socos e chutes mesmo após ter caído no chão em Santa Catarina. Segundo relatório da Polícia Militar, as agressões ocorreram após uma discussão com o autor do crime, Fábio Leandro Schlindwein, que seria simpatizante da direita, segundo o documento.
Confira os outros episódios que constam no relatório encaminhado para a ONU:
- Em março de 2018, uma caravana com o ex-presidente Lula foi atacada a tiros quando percorria o interior do Paraná.
- Em 6 de outubro de 2018, um homem que conduzia uma moto com adesivo em alusão ao presidente Bolsonaro agrediu pessoas, arrancou bandeiras e quebrou vidro de veículos em uma carreata em Maringá (PR).
- No dia seguinte, bolsonaristas atropelaram o cineasta Guilherme Daldin em Curitiba (PR), que vestia uma camisa com a imagem de Lula.
- Na noite de 9 de outubro de 2018, data do primeiro turno das eleições, um servidor público da Universidade Federal do Paraná que usava um boné do MST foi agredido por golpes de garrafa na cabeça. Segundo o relato, os agressores gritavam "aqui é Bolsonaro".
- Em 28 de março de 2021, o ativista Rodrigo Grassi, militante do PT, foi detido por chamar Bolsonaro de genocida em um protesto na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Após preso, disse ter sido questionado se não tinha vergonha de ser um vagabundo petista.
- Em setembro de 2021, defensores de Bolsonaro foram acusados de tentar invadir um acampamento indígena em Brasília.
- Em outubro de 2021, o radialista Jerry de Oliveira disse ter sido ameaçado por dois homens em Campinas (SP). Um deles estava armado, segundo ele. Na ocasião, disse ter sido ameaçado de morte caso falasse mal do presidente Jair Bolsonaro.
- Em dezembro de 2021, uma equipe da TV Bahia foi impedida de fazer a cobertura jornalística da visita de Bolsonaro à cidade de Itamaraju (BA). Dois jornalistas foram agredidos por seguranças e apoiadores do presidente. A repórter Camila Marinho foi agarrada pelo pescoço por um segurança.
- Em 15 de junho deste ano, um drone lançou veneno com cheiro de fezes e urina sobre o público que aguardava pelo ato de Lula em Uberlândia (MG).
- Em 7 de julho, um juiz que havia mandado prender um ex-ministro do governo Bolsonaro foi alvo de um ataque com fezes e ovos quando dirigia um carro em Brasília.
- No mesmo dia, uma bomba caseira com fezes foi lançada contra o público em um ato de Lula no Rio de Janeiro.
Deputado pede 'mudança de postura'
O deputado federal Orlando Silva, responsável pelo envio do documento à ONU, acredita que só uma mudança de postura do presidente Jair Bolsonaro pode minimizar o risco de novos incidentes de "ódio bolsonarista".
Questionada, a Presidência da República não se manifestou.
"Se não houver uma mudança de atitude do presidente, a tendência é que outros episódios de violência ocorram", alerta o deputado, que incluiu uma série de posicionamentos de Bolsonaro no documento enviado à ONU. Confira:
- "Vamos fuzilar a petralhada": A frase foi dita por Bolsonaro em setembro de 2018. Questionado após a morte de Arruda, o presidente disse que a expressão foi usada no sentido figurado.
- Em janeiro de 2019, em seu discurso de posse, Jair Bolsonaro declarou que a bandeira do Brasil "só será vermelha [em alusão à esquerda] se for preciso nosso sangue".
- Em reunião ministerial em abril de 2020, o presidente afirmou querer o povo armado, caso perdesse as eleições.
- Em setembro de 2021, Bolsonaro voltou a questionar a lisura do processo eleitoral em atos em São Paulo e Brasília, chamando as eleições de "farsa" em atos em defesa do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Disse, ainda, que só sairia da presidência "preso ou morto".
- Em abril deste ano, o presidente falou em "tiro e granada" quando criticava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
- "Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições", disse, em live transmitida em 8 de julho.
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