MP denuncia bolsonarista por homicídio e vê briga política como fútil
O Ministério Público do Paraná denunciou hoje o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho por homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e perigo comum). Guaranho assassinou o guarda municipal Marcelo Arruda na noite de 9 de julho, enquanto Arruda comemorava o seu aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu. No final da tarde, a Justiça do Paraná recebeu a denúncia e tornou réu o atirador.
Na decisão. o MP narra o contexto da discussão política do assassinato e viu como motivação fútil a "preferência político-partidárias antagônicas" dos envolvidos. O MP —que frisou se basear em questões técnicas— disse entender que a conduta de Guaranho não feriu o estado democrático de direito, mas atentou contra a vida de Arruda.
Nós entendemos que, em razão desse antagonismo de preferência político-partidária, o crime foi praticado por motivo fútil."
Tiago Lisboa Mendonça, promotor de Justiça
Na denúncia, o MP diz que Guaranho, antes de disparar dois tiros contra Arruda, disse que "petista vai morrer tudo". Ainda que reconheça o teor político da desavença, os promotores afirmaram que a Constituição não define o que é crime político. Para eles, o acusado atentou contra a vida de Arruda, e não contra o Estado.
"Embora a gente reconheça a motivação política dele [Guaranho], em razão dessa divergência no campo político-partidário —isso é evidente, está mais do que claro—, nós não temos de outro lado a lesão ao bem jurídico específico q é o Estado como ente político [...] A conduta do Guaranho atinge outro bem jurídico que é a vida, e não o Estado como um ente político", disse Mendonça.
Divergências com a polícia
Na semana passada, a Polícia Civil do Paraná indiciou o policial penal por homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. O promotor explicou a divergência da denúncia em relação ao indiciamento da polícia.
"Nosso entendimento que o crime abjeto, repugnante, da torpeza, ele tem de certa forma essa conotação de alguma vantagem no campo econômico. Já o motivo fútil é aquele motivo flagrantemente desproporcional", afirmou Mendonça.
Diferentemente da polícia, o MP afirmou que, quando Guaranho retornou à festa e atirou em Arruda, houve também motivação política. Os promotores citaram uma testemunha que relatou ter ouvido Guaranho gritar "aqui é Bolsonaro" antes de matar o petista.
"Nós entendemos que esse retorno se deu em razão desse mesmo motivo fútil que integra toda a conduta. Nós não podemos desmembrar a conduta do agente como fútil ou torpe e no outro momento entender que essa motivação foi por um sentimento de humilhação", disse Tiago Mendonça.
Já a delegada Camila Cecconello afirmou, na semana passada, que "não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista". Cecconello disse ainda ter se baseado no depoimento da própria esposa do atirador bolsonarista para apurar o que motivou o seu retorno ao local do crime. "Ele teria dito [à esposa]: 'isso não vai ficar assim, nós fomos humilhados. Eu vou retornar'".
O promotor pontuou que cinco laudos "complexos" do Instituto de Criminalística ainda não foram concluídos, mas que não são "imprescindíveis" para o MP emitir a denúncia neste momento. O prazo estabelecido para conclusão desses laudos é de dez dias. São eles:
- laudo de exame de confronto balístico
- laudo de exame de análise de gravador de vídeo
- laudo de exame de extração de análise do aparelho celular do investigado Guaranho
- laudo de exame de veículo automotor
- laudo de exame do local de morte
Apoiador de Jair Bolsonaro (PL), Guaranho foi à entrada da festa para "provocar" os participantes com gritos de apoio ao presidente e críticas aos petistas, aponta a investigação. Em seguida, retornou ao local para atirar na vítima, que revidou aos disparos, como mostram imagens das câmeras de segurança.
Atingido pelos tiros, o policial penal teve alta ontem da UTI do Hospital Ministro Costa Cavalcanti. Preso preventivamente sob escolta policial, ele está consciente e se recupera na enfermaria da unidade, segundo fontes ligadas ao caso. Procurada, a assessoria do hospital disse não ter autorização para passar informação sobre o estado de saúde de pacientes.
Laudos e depoimentos: o que falta para concluir investigação
Ontem à tarde, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello, da 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, atendeu um pedido do MP e autorizou que seja colhido depoimento complementar de uma testemunha já ouvida na investigação para identificar outras duas pessoas que estavam próximas a Guaranho no churrasco de confraternização em que ele ficou sabendo da festa em alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A Polícia Civil do Paraná aguarda pela conclusão de laudos complementares, como a análise do celular do atirador para apurar a eventual participação de terceiros, que possam ter incentivado a ação.
As imagens das câmeras de segurança que captaram o crime também estão sendo usadas para que seja feita uma leitura labial dos envolvidos na cena. "Abaixa a arma que aqui só tem família", teria dito Arruda antes de ser baleado.
Os investigadores ainda aguardam pelo resultado da perícia de confronto balístico e exame complementar no veículo usado pelo atirador. A Justiça ordenou que a Polícia Civil solicite câmeras do entorno para monitorar o deslocamento de Guaranho.
Críticas ao inquérito
As lacunas deixadas pela conclusão do inquérito apenas cinco dias após o crime desencadearam críticas, sobretudo dos representantes legais da família de Marcelo Arruda após a delegada Camila Cecconello descartar crime de ódio com motivação política baseada no relato da esposa do atirador.
"Existe uma rede de disseminação de ódio e violência política no Brasil", disse o advogado Daniel Godoy em entrevista ao UOL News ao justificar o pedido à Justiça por uma apuração que considere as divergências políticas entre atirador e vítima.
Em depoimento, uma vigilante em frente ao local do crime disse ter ouvido Guaranho gritar "aqui é Bolsonaro" antes de atirar. Para os representantes da família de Arruda, o relato é mais um indício de motivação política.
O que diz a família; polícia se defende
Em ato no último domingo em Foz do Iguaçu, Luiz Donizete, irmão da vítima, contestou a versão sustentada pelo inquérito: "Foi ato político", disse, argumentando que o atirador bolsonarista só foi ao local do crime porque seu irmão fazia uma festa em alusão ao PT.
A policial civil Pamela Suellen Silva, esposa de Arruda, disse em depoimento que o atirador prometeu voltar para matar as pessoas na festa após o primeiro desentendimento.
Em nota, a Polícia Civil disse que não há crime político no Código Penal e que o indiciamento "foi o mais severo" para o caso. Especialistas ouvidos pelo UOL reconhecem que não há tipificação para crime de ódio. Contudo, alegam que o crime foi motivado por desavenças políticas.
Duas confusões em 16 meses
Em perfis nas redes sociais, Guaranho se define como "conservador, cristão", faz postagens homofóbicas e diz ser a favor da política armamentista defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.
Com um histórico ligado a episódios violentos, Guaranho se envolveu em duas confusões em apenas 16 meses. Em junho de 2018, acabou sendo algemado e levado a uma delegacia no Rio de Janeiro acusado de insultar policiais militares em uma abordagem.
Em outubro do ano seguinte, o policial penal se desentendeu com seguranças de uma festa na cidade de Capanema (PR), a 118 km do seu local de trabalho, na penitenciária federal de Catanduvas. Como os envolvidos não quiseram denunciá-lo, foi feito apenas um registro interno pela PM sobre o caso.
O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) esclareceu que Guaranho chegou a responder a uma sindicância interna por causa do episódio no Rio de Janeiro. Mas a apuração foi arquivada porque o episódio foi considerado "ato da vida privada" do servidor.
Procurada, a defesa de Guaranho disse não haver condenação dele em nenhum desses episódios.
MP e polícia investigam se há relação entre suicídio
O MP e a Polícia Civil do Paraná apuram se há relação entre um suicídio e o crime. Funcionário da Itaipu, Claudinei Coco Esquarcini, morto no último domingo em Medianeira, cidade a 50 km de Foz do Iguaçu, é apontado como o responsável pela instalação no sistema das câmeras que flagraram a festa temática do PT mostradas ao atirador antes de sua ida ao local em um churrasco de confraternização entre amigos.
O celular dele foi apreendido pela Polícia Civil e encaminhado ao Instituto de Criminalística, informou documento encaminhado pelo MP à Justiça.
Questionado sobre o acesso às câmeras, José Augusto Fabri, vigilante da Itaipu, citou Claudinei como o encarregado pelo sistema de monitoramento, instalado no local para prevenir furtos.
"Tem que ter uma senha. Esse processo quem faz é o Claudinei. Como ele conhece de configuração, montagem, manutenção e ele faz parte da diretoria, então ele cuida dessa parte", disse Fabri em depoimento à Polícia Civil dias antes do suicídio.
Procure ajuda
Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por email, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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