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MP denuncia bolsonarista por homicídio e vê briga política como fútil

Leonardo Martins e Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

20/07/2022 15h40Atualizada em 20/07/2022 18h19

O Ministério Público do Paraná denunciou hoje o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho por homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e perigo comum). Guaranho assassinou o guarda municipal Marcelo Arruda na noite de 9 de julho, enquanto Arruda comemorava o seu aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu. No final da tarde, a Justiça do Paraná recebeu a denúncia e tornou réu o atirador.

Na decisão. o MP narra o contexto da discussão política do assassinato e viu como motivação fútil a "preferência político-partidárias antagônicas" dos envolvidos. O MP —que frisou se basear em questões técnicas— disse entender que a conduta de Guaranho não feriu o estado democrático de direito, mas atentou contra a vida de Arruda.

Nós entendemos que, em razão desse antagonismo de preferência político-partidária, o crime foi praticado por motivo fútil."
Tiago Lisboa Mendonça, promotor de Justiça

Na denúncia, o MP diz que Guaranho, antes de disparar dois tiros contra Arruda, disse que "petista vai morrer tudo". Ainda que reconheça o teor político da desavença, os promotores afirmaram que a Constituição não define o que é crime político. Para eles, o acusado atentou contra a vida de Arruda, e não contra o Estado.

"Embora a gente reconheça a motivação política dele [Guaranho], em razão dessa divergência no campo político-partidário —isso é evidente, está mais do que claro—, nós não temos de outro lado a lesão ao bem jurídico específico q é o Estado como ente político [...] A conduta do Guaranho atinge outro bem jurídico que é a vida, e não o Estado como um ente político", disse Mendonça.

Divergências com a polícia

Na semana passada, a Polícia Civil do Paraná indiciou o policial penal por homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. O promotor explicou a divergência da denúncia em relação ao indiciamento da polícia.

"Nosso entendimento que o crime abjeto, repugnante, da torpeza, ele tem de certa forma essa conotação de alguma vantagem no campo econômico. Já o motivo fútil é aquele motivo flagrantemente desproporcional", afirmou Mendonça.

Diferentemente da polícia, o MP afirmou que, quando Guaranho retornou à festa e atirou em Arruda, houve também motivação política. Os promotores citaram uma testemunha que relatou ter ouvido Guaranho gritar "aqui é Bolsonaro" antes de matar o petista.

"Nós entendemos que esse retorno se deu em razão desse mesmo motivo fútil que integra toda a conduta. Nós não podemos desmembrar a conduta do agente como fútil ou torpe e no outro momento entender que essa motivação foi por um sentimento de humilhação", disse Tiago Mendonça.

Já a delegada Camila Cecconello afirmou, na semana passada, que "não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista". Cecconello disse ainda ter se baseado no depoimento da própria esposa do atirador bolsonarista para apurar o que motivou o seu retorno ao local do crime. "Ele teria dito [à esposa]: 'isso não vai ficar assim, nós fomos humilhados. Eu vou retornar'".

O promotor pontuou que cinco laudos "complexos" do Instituto de Criminalística ainda não foram concluídos, mas que não são "imprescindíveis" para o MP emitir a denúncia neste momento. O prazo estabelecido para conclusão desses laudos é de dez dias. São eles:

  • laudo de exame de confronto balístico
  • laudo de exame de análise de gravador de vídeo
  • laudo de exame de extração de análise do aparelho celular do investigado Guaranho
  • laudo de exame de veículo automotor
  • laudo de exame do local de morte

Apoiador de Jair Bolsonaro (PL), Guaranho foi à entrada da festa para "provocar" os participantes com gritos de apoio ao presidente e críticas aos petistas, aponta a investigação. Em seguida, retornou ao local para atirar na vítima, que revidou aos disparos, como mostram imagens das câmeras de segurança.

Atingido pelos tiros, o policial penal teve alta ontem da UTI do Hospital Ministro Costa Cavalcanti. Preso preventivamente sob escolta policial, ele está consciente e se recupera na enfermaria da unidade, segundo fontes ligadas ao caso. Procurada, a assessoria do hospital disse não ter autorização para passar informação sobre o estado de saúde de pacientes.

Laudos e depoimentos: o que falta para concluir investigação

Ontem à tarde, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello, da 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, atendeu um pedido do MP e autorizou que seja colhido depoimento complementar de uma testemunha já ouvida na investigação para identificar outras duas pessoas que estavam próximas a Guaranho no churrasco de confraternização em que ele ficou sabendo da festa em alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A Polícia Civil do Paraná aguarda pela conclusão de laudos complementares, como a análise do celular do atirador para apurar a eventual participação de terceiros, que possam ter incentivado a ação.

As imagens das câmeras de segurança que captaram o crime também estão sendo usadas para que seja feita uma leitura labial dos envolvidos na cena. "Abaixa a arma que aqui só tem família", teria dito Arruda antes de ser baleado.

Os investigadores ainda aguardam pelo resultado da perícia de confronto balístico e exame complementar no veículo usado pelo atirador. A Justiça ordenou que a Polícia Civil solicite câmeras do entorno para monitorar o deslocamento de Guaranho.

Críticas ao inquérito

As lacunas deixadas pela conclusão do inquérito apenas cinco dias após o crime desencadearam críticas, sobretudo dos representantes legais da família de Marcelo Arruda após a delegada Camila Cecconello descartar crime de ódio com motivação política baseada no relato da esposa do atirador.

Delegada Camila Cecconello conduz as investigações do crime - Reprodução de vídeo - Reprodução de vídeo
Delegada Camila Cecconello conduz as investigações do crime
Imagem: Reprodução de vídeo

"Existe uma rede de disseminação de ódio e violência política no Brasil", disse o advogado Daniel Godoy em entrevista ao UOL News ao justificar o pedido à Justiça por uma apuração que considere as divergências políticas entre atirador e vítima.

Em depoimento, uma vigilante em frente ao local do crime disse ter ouvido Guaranho gritar "aqui é Bolsonaro" antes de atirar. Para os representantes da família de Arruda, o relato é mais um indício de motivação política.

O que diz a família; polícia se defende

Em ato no último domingo em Foz do Iguaçu, Luiz Donizete, irmão da vítima, contestou a versão sustentada pelo inquérito: "Foi ato político", disse, argumentando que o atirador bolsonarista só foi ao local do crime porque seu irmão fazia uma festa em alusão ao PT.

Luiz Donizete, irmão de Marcelo Arruda, reafirma caráter político do assassinato do irmão em Foz do Iguaçu (PR) - Reprodução/Partido dos Trabalhadores - Reprodução/Partido dos Trabalhadores
Luiz Donizete, irmão de Marcelo Arruda, reafirma caráter político do assassinato do irmão em Foz do Iguaçu (PR)
Imagem: Reprodução/Partido dos Trabalhadores

A policial civil Pamela Suellen Silva, esposa de Arruda, disse em depoimento que o atirador prometeu voltar para matar as pessoas na festa após o primeiro desentendimento.

Em nota, a Polícia Civil disse que não há crime político no Código Penal e que o indiciamento "foi o mais severo" para o caso. Especialistas ouvidos pelo UOL reconhecem que não há tipificação para crime de ódio. Contudo, alegam que o crime foi motivado por desavenças políticas.

Duas confusões em 16 meses

Em perfis nas redes sociais, Guaranho se define como "conservador, cristão", faz postagens homofóbicas e diz ser a favor da política armamentista defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.

Com um histórico ligado a episódios violentos, Guaranho se envolveu em duas confusões em apenas 16 meses. Em junho de 2018, acabou sendo algemado e levado a uma delegacia no Rio de Janeiro acusado de insultar policiais militares em uma abordagem.

Jorge Guaranho foi indiciado por assassinato de Marcelo Arruda - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jorge Guaranho foi indiciado por assassinato de Marcelo Arruda
Imagem: Arquivo pessoal

Em outubro do ano seguinte, o policial penal se desentendeu com seguranças de uma festa na cidade de Capanema (PR), a 118 km do seu local de trabalho, na penitenciária federal de Catanduvas. Como os envolvidos não quiseram denunciá-lo, foi feito apenas um registro interno pela PM sobre o caso.

O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) esclareceu que Guaranho chegou a responder a uma sindicância interna por causa do episódio no Rio de Janeiro. Mas a apuração foi arquivada porque o episódio foi considerado "ato da vida privada" do servidor.

Procurada, a defesa de Guaranho disse não haver condenação dele em nenhum desses episódios.

MP e polícia investigam se há relação entre suicídio

O MP e a Polícia Civil do Paraná apuram se há relação entre um suicídio e o crime. Funcionário da Itaipu, Claudinei Coco Esquarcini, morto no último domingo em Medianeira, cidade a 50 km de Foz do Iguaçu, é apontado como o responsável pela instalação no sistema das câmeras que flagraram a festa temática do PT mostradas ao atirador antes de sua ida ao local em um churrasco de confraternização entre amigos.

O celular dele foi apreendido pela Polícia Civil e encaminhado ao Instituto de Criminalística, informou documento encaminhado pelo MP à Justiça.

Questionado sobre o acesso às câmeras, José Augusto Fabri, vigilante da Itaipu, citou Claudinei como o encarregado pelo sistema de monitoramento, instalado no local para prevenir furtos.

"Tem que ter uma senha. Esse processo quem faz é o Claudinei. Como ele conhece de configuração, montagem, manutenção e ele faz parte da diretoria, então ele cuida dessa parte", disse Fabri em depoimento à Polícia Civil dias antes do suicídio.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por email, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.